PRIMAVERA >> Carla Dias
Chacoalha a árvore esquelética, provocando nela um grito de folhas e flores em queda. Restam-lhe poucas, e mesmo admirando sua coragem, quer entender a razão de ainda estar ali, resistindo, cercada de um vazio de descarte, de esgotamento. Ninguém mais olha para ela por apreciação, mas há quem planeje o que irá substituí-la: lavanderia, minimercado, ponto de táxi. Alguém plantou um varal em seus galhos quase nus; encostou no seu corpo uma placa de “vende-se”, depois partiu, deixando memórias penduradas em sua existência. Tornou-se uma estação de abandono de memórias e sacos plásticos. Serve para quê? Aterrada na calçada, o concreto a carcomer sua identidade, já que nem sabem mais dizer à qual família pertence. Ele tem certeza de que ela escolheu não ir embora. Resiste à opulência do fim, do não caber mais, de não haver espaço para amparar desvalidos. Tornou-se um porto de sonhos enviuvados de realização. Ela oferece pouco ao olhar dos transeuntes; sua beleza já não é registrada por celulares ávidos pela melhor foto. Vez ou outra, eles tropeçam nas suas raízes e maldizem a ancestralidade daquele ser que já deveria ter sido extirpado do mundo. É preciso inovar, melhorar o produto do supermercado existencial. Ele olha para ela e pergunta: servimos para quê?
Imagem © Prawny por Pixabay
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