CHUVA, RESSACA, CONTOS E GAL >> Sergio Geia
Hoje acordei de ressaca, a cabeça pulsa. Não a ressaca de bebida, não é dessa ressaca que falo. É que o dia ontem foi pesado demais, a discussão se arrastou, longa, as palavras atiradas de um lado ao outro, como flechas, algumas necessárias e justas, outras fruto de pontos de vista diferentes, mas enfim, não dá para sair de uma discussão dessas igual, as águas já são outras e nós já não somos mais os mesmos. Mas sigo adiante, não vou ficar repisando, só a lembrança já machuca. Aliás, acho que preciso de terapia. Sério. Acho que todo mundo precisa.
Logo ontem que acordei com a chuva caindo forte lá fora. Ia caminhar, mas o barulhinho da chuva caindo me fez abrir a janela para assistir ao espetáculo. Fui ao banheiro, depois voltei pra cama, pra minha coberta. Mais tarde, com a chuva persistente, saí na sacada pra filmar. Logo a filmagem estava sendo reproduzida no Instagram, no Facebook. Agora é assim: tudo que a gente acha bonitinho a gente quer mostrar, o jeito então é compartilhar, a palavrinha mágica das redes sociais. Compartilhe coisas bonitas. Eu compartilhei.
Não só pela beleza da chuva molhando a cidade, mas o barulhinho. O celular captou bem o áudio da chuva batendo em árvores, em telhados, em marquises. É delicioso e relaxante ouvir, só ouvir. Nada de música, televisão, gente falando. Só o som da chuva a cair.
E como o dia que amanheceu cinza, frio e chuvoso, o meu também foi repleto de tempestades. No meio da tarde, o dilúvio, e tudo estava acabado.
Vida que segue. Pois já deixamos meio ano pra trás e eu não voltei pros meus contos. Minhas férias estão durando uma eternidade. Terminei o ano escrevendo tanta coisa, o último sobre um casal numa pousada em pleno carnaval. Ah, ficou tão bonitinho o conto. E alguns pesados como “A mais linda do baile”, “As azaleias não brilham mais” ou “Menina da praia”. Acho que vocês irão amar. Mas está tão difícil recomeçar, não sei o que aconteceu. Ano passado eu sentava na frente do computador com o esboço de ideia, o fiapo, como diz Cristovão Tezza, e o texto deslanchava, pipocavam novas ideias, reviravoltas, um fim que nem imaginava quando comecei a escrever. Este ano parece que está tudo tão difícil.
O jeito é ocupar o tempo livre assistindo séries — a da vez, The Blacklist, estou adorando — e ouvindo música. Ah, estou montando uma nova playlist, agora de MPB. Descobri que Gal lançou um disco novo, “Nenhuma dor”, onde revisita delicadezas que ganharam roupagem nova em duetos com muita gente boa, tipo Zeca Veloso, Zé Ibarra, Rodrigo Amarante, Seu Jorge, Jorge Drexler, António Zambujo, Silva, Tim Bernardes, Rubel, Criolo. O bacana é que todos toparam cantar no tom da Gal, nada fácil. Ficaram lindas. São preciosidades como Meu Bem Meu Mal, Baby, Só Louco, Coração Vagabundo, Nenhuma Dor; Avarandado é delicadeza pura, num dueto com Rodrigo Amarante, que voz de João Gilberto o moço tem! Se não ouviu ainda, não espere. Mas é para sentar e ouvir, nada de ficar remexendo coisas, olhando o celular, conversando, lendo jornal ou escrevendo crônica.
Meu coração não se cansa, de ter esperança de um dia ser tudo o que quer. Meu coração de criança, não é só a lembrança de um vulto feliz de mulher. Que passou por meu sonho sem dizer adeus, e fez dos olhos meus um chorar mais sem fim. Meu coração vagabundo quer guardar o mundo em mim. Meu coração vagabundo quer guardar o mundo em mim.
Coração Vagabundo, canção originalmente gravada em 1967, álbum “Domingo”, composição de Caetano que toca agora no meu som, Gal e Rubel cantando. Desculpa. Paro por aqui. O vinho já está na taça, hora de ouvir, e eu vou...
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