SINOPSE DO RESUMO >> Carla Dias

Imagem: The Veil © Helen Lundeberg

Vive em um apartamento que fica próximo ao centro da cidade. Há dias em que o barulho que vem lá de fora quase a enlouquece. Em que ela imagina interruptores seduzidos pela tecnologia de desligar o som do mundo. 

Um par de segundos... ou dois pares, pode ser? Coisa rápida, pausa furtiva, um alívio quase imperceptível. 

Pode?

O único sonho para o futuro, que se permitiu sonhar, foi ser dona de uma cafeteria. Lugar pequeno e aconchegante, perto de um rio ou de uma cachoeira, onde as pessoas entrassem para beber doses de café, comer pedaços de bolos de chocolate, banana ou aipim, e para folhear páginas de livros caprichosamente dispostos em prateleiras ancoradas nas paredes do lugar. 

Não se demorou nesse sonho.

Gosta do seu apartamento, mas sabe que ele precisa do carinho de uma pequena reforma. 

Tem apreço pelo frio. Ele a acolhe e ela se encolhe, aprofunda-se na objetividade das próprias buscas. Nele se encontra: meias, casacos, ventos cortantes invadindo o apartamento pelas janelas e pela porta da área de serviço. A área de serviço oferece vista que a acolhe no papel de observante, oferecendo deslumbramento, apesar do pecado de alheamento que ela costuma cometer, durante fins de tarde de domingo.  

Há quem a observe – janela adentro – e escolha acreditar no que enxerga com o olhar embaçado. Ela o respeita o lá fora, faz parte dele. É quem caminha pelo centro da cidade e dos furacões. Quem observa o mundo pela janela e pelas ruas do descaso. 

Entristece indecorosamente devido às tragédias provocadas, guerras criadas para coordenar ocorridos de partir coração em fúria desatada. As injustiças construídas, desumanidade a desumanidade, por aqueles que não ousam (re)conhecer os que vivem do outro lado da janela da realidade compartilhada.

Para compreender a existência, mas sem sucumbir ao desalento, construiu seu lar nas proximidades dos desafios do centro da realidade. Gosta de ser quem é, mas sabe que precisa de um pouco de afeto-próprio e de uma profunda reforma interior.

Há dias em que o barulho que vem lá de fora quase a enlouquece. Na hora de dormir, desprovida de tecnologia futurista para calar mundo, coloca fones de ouvido e toca playlist que a permite silenciar de toda a imensidão que se estende pelo afora do seu apartamento. 

A música é seu desligamento preferido. Seu silêncio escolhido.


Imagem: The Veil © Helen Lundeberg

Comentários

Paulo Barguil disse…
Cada pessoa e sua playlist, interna e externa, para (não) ouvir o que (não) deseja. Delícia de crônica, Carla.
Carla Dias disse…
Obrigada, Paulo! Beijo.

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