MAIS REAL QUE O REI >> Albir José Inácio da Silva
O Ford Galaxie foi fechado pela joaninha num acinte que surpreendeu o diretor. A sirene estridente já o incomodava há dois quarteirões, mas, o que era isso agora?
- Abre a mala, Doutor! – aquele tratamento era por causa do carrão e do terno, mas eles estavam sérios – Documentos, por favor!
- Tá aqui o flagrante! – gritou de trás do carro o outro soldado.
Não sei se por vingança contra a tirania administrativa, a verdade é que grassam nos ambientes de trabalho muitas histórias sobre situações ridículas protagonizadas por diretores e presidentes.
Aquele era o primeiro emprego e eu, adolescente, fiquei encantado com a narrativa que alimentava meu rancor proletário, antes mesmo de saber o que é mais-valia. Mas voltemos ao caso.
Alguns minutos antes de ser fechado pela joaninha, o diretor, a caminho de casa, onde a patroa o esperava para o almoço, parou no sinal e olhou em torno com cara de diretor.
Na calçada à direita estavam alinhados oito medidores que faiscavam ao sol do meio dia. Ninguém por perto. Do outro lado da rua, debaixo de uma árvore, recostados ou deitados, ele reconheceu os uniformes de meia dúzia de “seus” operários, alguns de olhos fechados, outros com o capacete sobre o rosto.
Cioso de seus deveres e preocupado com o patrimônio da empresa, ele avançou quando o sinal abriu, mas deu a volta no quarteirão. Atrasaria o almoço, mas alguém ali precisava de uma lição.
Desceu do carro e ficou em pé na calçada. Olhou para os medidores e olhou para a turma do outro lado da rua. Ninguém se mexeu. Um chefe é acima de tudo um educador, pensou. Abriu a mala do carro, colocou um medidor e foi para o almoço que ainda tinha que voltar para o trabalho.
O vigia colocou uma ficha no orelhão enquanto avisava os outros funcionários. A polícia atendeu rápido. Em segundos ele relatou o roubo e deu o número da placa.
Como nos filmes americanos, e também por se tratar de vítima tão importante, a Light Serviços de Eletricidade S.A., a polícia agiu rápido e o Galaxie foi interceptado no bairro seguinte.
Mesmo ponderando demais, o ladrão não foi algemado. Claro que por seu carro, suas roupas e porque estavam num bairro nobre. Como disse o comandante da PM São Paulo, não se pode tratar o morador dos Jardins da mesma forma que o morador da periferia porque aquele ficaria ofendido. No Rio nunca foi diferente.
Era começo dos anos setenta e se o ladrão fosse algum desocupado faminto, que pretendia ganhar alguns cruzeiros vendendo no ferro velho aquela peça que ele nem sabia o que era, seria “massageado” na delegacia, mesmo sem motivos, apenas para deleite dos entediados homens da lei. Porque não tinha moleza naqueles tempos de scuderie – e nem sei se esses tempos acabaram!
Dizem que o departamento jurídico da Light compareceu em peso à delegacia e em minutos tudo estava resolvido. Apertaram-se as mãos com a promessa do delegado de que aquilo não sairia dali.
Para os operários foi dito que voltassem ao trabalho e sussurrado que esquecessem o acontecido e que nada aconteceria, a menos, é claro, que a situação vazasse para ouvidos estranhos.
Vazou, é claro!
No meu emprego seguinte encontrei mais uma história que reputo de moral muito parecida com a primeira. Ainda nos anos setenta, o palco foi um ambulatório de psiquiatria do INAMPS, recepção às oito horas da manhã, ou seja, o caos.
(Continua em 15 dias)
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