NÃO ENTERRE MEUS FILHOS >> Sandra Modesto
A porta não estava fechada quando eu me aproximei do meu filho pra dar boa noite. O edredom embolado. Mas os cachos dos cabelos eu beijei.
Quando amanhece sempre depois das dez, me enterneço com o interrogatório da filha que mora em outra cidade.
― Mãe, tudo bem?
― Mãe, que dia você vai vacinar? Já sabe?
Respondo tudo.
Eu chorei ardido com o sal envolto no adeus a minha mãe.
Ela não viu muitos netos virando marmanjos.
Não abraçou as largas vitórias e derrotas das netas. Não riu com a bisneta.
Eu perdi os embaraços possíveis e suaves e neuróticos dos capítulos nesse espaço dos vinte e três anos sem minha mãe.
Não sei quem é Deus. Uma imagem, uma força, um guia? Um guru?
Penso que ele é um amanhã. Uma brusca tarde no meio da minha busca grotesca.
Já me disseram que Deus é pai. Os deuses de muitas gentes. Cada pessoa tem um.
O meu é o embate invisível me socorrendo ao saber das perdas de tantas mães perdendo suas crias.
No acalanto busco o manto pra o meu filho e volto a beijar os cachos. Acordo buscando fotos da minha filha. O tempo é manso.
Muitas vezes entendo o humor no amor. Nesse vai e vem de uma mãe imperfeita.
― Mãe, tudo bem?
― Tudo bem filha. Como está seu domingo?
Meu filho acorda querendo uma torta de pão de forma sem frango desfiado.
― Você não acha melhor um delivery?
― Mãe!
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