QUEM SERIAM? >> Carla Dias
Como são inestimáveis, mesmo quando vestem seus disfarces adquiridos em supermercados de arrependimentos. Usam péssima poesia, até mesmo manchetes de jornais e títulos de filmes para justificar a própria lamentável partida.
Quem seriam os que partem, não houvesse os que ficam?
Desabraçam o que poderia ter sido, espalhando faltas e fazendo vibrar aqueles pensamentos que já não aguentam mais honestizar a insalubridade dos que ficam aqui... neste aqui de há anos, de há eras, de há milhares de canções de amor, das quais o tempo não consegue descartar o valor. Elas continuam a reverberar pelos labirintos de quem são, do que sentem os que ficam.
Desejar revide é desejo que dura o que nem se pode chamar de duração. Um arranhão naqueles segundos que se leva para entender que melhor não, bobagem!
Bobagem.
Uma bobagem que faz com que você se desconecte dos acontecimentos do agora, esconda-se dentro de si, só para repassar na memória aqueles segundos outros, que nem relógio registrou, porque não se lembra do como, do quando ou do a que horas aconteceu.
A lembrança é do sentimento, esse servidor inesgotável de versões. Ele que traz para o agora o anteontem de qualquer anteontem perdido no calendário.
Há a sensação de que hoje veio de um menoscabar o que já era imperfeito como devia ser. Todas as suas ranhuras, seus imprevistos descalçados de benefícios, os planos sempre por fazer. Destemidas, as palavras costumavam ganhar o mundo, tão desajuizadas e felizes por não terem de se desculpar pela sua origem. Por estarem destinadas – enquanto ocupadoras daquela mente – a repercutir indiscrições emocionais, reverberar vetos humanitários, dispensar mentirolas que ocupam o espaço no qual devem se acomodar as verdades necessárias, ainda que lancinantes.
Quem seriam os que partem, não houvesse os que ficam?
Não há resposta que caia bem, quando se é daqueles que, mais do que serem conquistados pela espera, são de fomentar e sustentar esperanças, porque não há como desviver... está catalogado no dentro, forjado pelo escândalo do choro e pela sonoridade das gargalhadas. E apesar das diferenças na cadência e na ressonância: eufonia.
Onde tudo se alinha, não há antagonista.
Nem todos sabem como desaprender quem foi ao lado daquele que partiu. Desamar não é arte que se herda de um universo acostumado a escalavrar planos. Nesse sacolejar de realidade que já foi, e aquela que se desenrola, tudo se mistura, é revisitado. No entanto, reaprender-se nem sempre é item disponível no cardápio das soluções.
Desamar não é para todos.
Partiu como se nada tivesse acontecido, beiradeando o vazio de quem fica com essa cena que não anunciou ser a final. Deixando tudo suspenso, inacabado. O silêncio reivindicando barulhos acolhedores.
Entre parênteses, arruma a casa interna todos os dias. Se houver volta, que esteja tudo em ordem para ser desarrumado ao desagasalhar-se da tristeza.
O que seria dos que ficam, sem os que por eles passam?
Quem seriam?
Imagem © ArtTower por Pixabay
Comentários
Lindo, parece que vc colocou um flash sobre aquele instante tão fugaz que faz a divisão entre o apego e desapego. Aquele instante onde tudo é ambivalência. Estes questionamentos que vc traz em seus textos são muito poderosos. Vc escreve lindamente, mas é perturbador te ler. Não atinge só a nossa dimensão racional. Pra usar uma das suas palavras, reverbera no oco/vazio da falta que todos temos.
Lindo.
Vou começar já a ler todos os textos, de traz pra frente, senão não vou dar conta dessa live.
Grande bjo!
A profundidade e a grandeza desse texto são tão grandes, q, a cada dia, proporcionariam uma leitura diferente. Impressionante. Impressionante.
Você achar o texto lindo foi lindo. 😊
Não se preocupe com a Live. Vamos sobreviver a ela... rs.
Beijos!
Felipe, a pessoa aqui faz de um tudo pra não dar trabalho, mas não dá muito certo... rs. Mas são apenas reflexões, perspectivas, desejos. A conversa corre solta quando as pessoas querem falar a respeito. Beijo!
Zoraya, que bom que você gostou da inclusão do insano “menoscabar”. Insano e deslumbrante.
Obrigada por mais esse mergulho na minha profundidade que, tem dias que é bipolar, em outros, ensimesmada. Também tem dias em que ela prefere sobrenadar, pra tentar descansar um pouco de si... e de mim. Beijo!
Albir, obrigada por passar por aqui e me permitir perturbá-lo e impressioná-lo. Beijo!