NEVE NEGRA - parte 2 -- Nádia Coldebella
O nascimento da Herdeira
A rainha esperava um filho....
Havia quem dissesse que a ordem havia voltado ao palácio, mas desde seu adoecimento, a rainha nunca mais fora a mesma. Poucos sabiam que, antes de partir, Esternuto grasnara sobre o afeto que o Rei nutria pela feiticeira. E ninguém sabia que ela, em seu íntimo, desprezava a criança que crescia em seu ventre, que lhe roubava a beleza e a vitalidade. Elora não saia mais para as visitas costumeiras e permanecia muito tempo nos jardins reais. Só que não cantava mais, apenas se punha sentada, quieta, de testa franzida, rosto cansado e mãos sobre o ventre.
Quase não falava, mas era comum perceber seus suspiros profundos, seguidos de gemidos que pareciam ser de dor e consternação.
Já era novamente inverno quando o nascimento da criança anunciou-se. No aposento real, o fogo crepitava na lareira, presenteando a rainha com chamas alaranjadas e bruxuleantes. Ele arriscava-se e compunha uma coreografia lúgubre nas paredes de pedra clara, agora cinza-chumbo por causa do breu da noite - algumas vezes, pálidas e encolhidas, quando os relâmpagos lançavam seus flashes pelas janelas mal cobertas pelas grossas e sanguíneas cortinas de veludo.
De pouco em pouco, as cortinas pesadas elevavam-se no ar, plumas esvoaçantes e espectrais, acariciadas pelo vento que anunciava, em silvos lamurientos, as pequenas e gélidas gotas de chuva que agarravam-se a superfície do velho espelho e deslizavam lentamente, percorrendo uma trajetória incerta que era acompanhada atentamente pela monarca.
Sentada inerte e de olhos injetados perto da janela, ela parecia não perceber os contornos de um rosto quase humano, de olhar brilhante e funesto que revelava-se a cada reflexo prateado causado pela tempestade. As vezes ela levantava-se da cadeira e andava, retorcendo-se e gritando as dores do parto que se aproximava.
Mais tarde, naquela noite, já febril, ela perdeu os sentidos e foi levada até a cama. Ao recobrar a consciência, soube que uma parteira havia sido chamada, porque o esposo, que partira há algumas semanas a procura de Àngelle, ainda não voltara. Ela sabia, porém, que o bebê não esperaria pela feiticeira e pelo pai, pois as contrações pouco a pouco intensificavam-se. Resolveu entregar-se calada a cada dor dilacerante de seu corpo querendo expulsar a criança e, instintivamente, pôs-se a empurrar até sentir que a cabeça do filho havia alcançado a luz.
Ao perceber que todo o corpo dele saia, suspirou aliviada, mas agitou-se quando ouviu os murmúrios e gritinhos de admiração das mulheres presentes. O recém-nascido foi colocado ao seu lado e ela pode contemplar a criança mais linda que já vira. Negra como o ébano, vermelha como o sangue e branca como a neve, lembrou-se, ao perceber os cabelos pretos da menina, sua pele extremamente alva e os lábios vermelhos, tal qual a combinação do seu sangue com a neve na janela negra. A pequenina moveu-se em seus braços e movimentou a boquinha em direção ao seu seio descoberto, sugando-o prontamente.
A tempestade passara e os primeiros raios solares surgiam no horizonte quando o rei retornou em companhia da feiticeira e dos dois anões. Foi recebido com notícia do parto difícil da rainha, que havia dado a luz a uma menina de beleza assombrosa.
Dirigiu-se aos aposentos de Elora e pode vislumbrar que uma réstia dourada da luz da manhã atravessava as cortinas, refletindo no espelho e incidindo sobre uma criança de beleza inigualável. Ela ainda estava sugando o seio daquilo que havia sido uma mulher, agora um corpo seco e completamente sem vida.
Em seu estarrecimento, o Rei não percebeu o horror no rosto da feiticeira e nem deu-se conta de que Madorno havia fixado seus olhos no espelho, pendurado logo acima da cama, e pronunciado as três palavras que devem ter sido as últimas a tocarem os lábios da rainha: escuridão, sangue e frio.
Continua...
Leia a primeira parte aqui:
Comentários
Esperando a terceira parte. :)
Muuuiito bom! Ainda bem q nao lembro do final!
Como não consigo não ler, fico aqui aguardando as dores do próximo capítulo.
É masoquismo que chama?