CASA DE CHÁ >> Carla Dias >>
Sabe pouco sobre a vida. Surpreende-se com ela frequentemente. Acreditava ter nascido com defeito. Depois, que tivesse entendido tudo errado. Então, compreendeu que leva tempo.
Viver leva tempo.
Não adianta colocar o relógio para despertar duas horas antes para tentar chegar adiantado ao importante. Não adianta colocar o relógio para despertar cinco minutos depois, apenas para aproveitar a espera. Ainda que pareça escoar pelos dedos, deixá-la para trás, aporrinhá-la com sua displicência, enlouquecê-la com a indiferença aos seus desejos, o tempo ainda é dono de tudo.
Da dor ao encantamento. Da tristeza à celebração. O quanto dura e o quão rápido se dissipa.
Quando entendeu isso, passou a gastá-lo com mais propriedade. Compreende que os grandes eventos são oportunidades para cultivar alegria. Porém, alegria para ela também é o silêncio diante de uma paisagem que diga mais que o lógico e ela consiga escutar o dito. Onde possa encontrar inspiração entre os prédios, beleza escancarada em um cenário de feiuras infligidas. A feiura do abandono, do descaso, das mentiras. A beleza dos que se importam, dos que colocam seu tempo à disposição da melhoria. A paisagem da natureza exuberante, do urbanismo ora capenga, ora extraordinário.
Dos acontecimentos redesenhando o cenário do mundo.
Aventurou-se, certa vez, pelas encostas das aventuras ousadas. Viveu cinco minutos como se fosse outra, uma versão de si, uma releitura. Cinco minutos em que sua voz saiu com entonação diferente, seu gestual foi repaginado pelo improviso e até os cabelos ela desalinhou, entre algumas palavras. Cinco minutos se valendo da capacidade de se intrometer com a imaginação a ponto de se sentir outra. Foi como uma lufada de novidade, um desprendimento das mágoas de estimação, a ruptura com a formalidade que cerceava seu emocional.
Cinco minutos.
Ali, em pé, na rua, diante de duas senhoras sorridentes, perdidas pelo bairro e ansiosas por chegar onde queriam. Uma festa, que pode até não ser tão produzida quanto um grande evento provedor de alegrias pré-definidas, mas que é importante para as alegrias que importam, que ficam, que são fisgadas na memória a cada necessidade de se aprumar o espírito.
Ela explica o caminho, que conhece de cor, porque fica logo ali, onde nasceu e foi criada, de onde se mudou, adulta. Para onde voltou alguns anos depois. Explica como chegar a esse onde como se fosse forasteira. Porém, sente-se uma personagem de propaganda de televisão tentando vender produto que promete isso e entrega um péssimo aquilo.
O plano das senhoras é passar uma tarde agradável em uma casa de chá da região. Uma amiga de uma amiga, que encontrou a prima com a filha mais nova em um parque, então, essa filha comentou sobre a casa de chá. Mas ela conhece o lugar, sabe que é apenas marketing para mascarar um lugar que oferece serviços dos quais elas provavelmente não gostariam de desfrutar. Certamente, a filha mais nova da prima da amiga de uma amiga delas estava sendo sarcástica.
Sua catarse ao se passar por outra durou cinco minutos. No sexto, já estava engajada numa conversa sobre casas de chá. Já recuperada e completamente ela mesma, explicou para as senhoras o que elas encontrariam no tal lugar. Elas riram, fizeram piadas pueris, outras nem tanto. A moça riu junto, fez piadas pueris, e continuou nas pueris, porque as senhoras lhe lembravam a mãe e a tia.
Foram cinco minutos sendo outra, para então retomar a si com mais gentileza, mais sabedoria. Foram apenas cinco minutos para que aquelas senhoras a encantassem de tal forma, que ela se atreveu a oferecer a elas um chá, lá em sua casa. Elas se entreolharam e uma delas disse, sorriso brincalhão nos lábios: “eu sabia que hoje viveríamos uma aventura.”
Sabe pouco sobre a vida. Surpreende-se com ela frequentemente, assim como as pessoas que ela abarca. Sentadas à mesa, três mulheres conversam sobre a vida e se divertem ao detalharem certas lembranças. Na casa de chá improvisada, há música, há sol invadindo o recinto pela janela, há essa outra pessoa que sempre foi a pessoa que conheceu, mas que somente agora, tempos e experiências depois, consegue se reconhecer nela.
Imagem: The Tea Party © Frederic Soulacroix
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