COMER PRA LEMBRAR >> Mariana Scherma
Era
pra ser um almoço rápido e trabalhado no carboidrato: legumes, arroz e purê de
batata. Mas foi só dar a primeira garfada que me transportei para o fim da
década de 80, criança com pouquíssima memória dessa fase, mas com a memória boa
pra comida. Minha mãe sempre fazia purê eu comia com arroz. Repetia. “Tripetia”.
O que deveria ser um almoço normalzinho em um dia qualquer da semana fez o
maior carinho na alma e me encheu de uma felicidade boba, mas necessária. Na
verdade nenhuma felicidade é boba. São esses momentinhos de felicidade boba que
enchem o pote da vida. Sorte a minha notar esses detalhes.
Amo
comer. Amo um pratão de arroz e feijão bem temperados porque, ah, o cheiro de
feijão é muito o cheiro da casa da minha mãe na hora do almoço. Amo o aroma da
cebola e do alho sendo refogados porque esse é o cheiro do arroz e, quando o
arroz vai para a panela, é porque está chegando a hora de almoçar. Precisa
dizer que essa é minha hora preferida? Minha mãe sempre deixa o arroz por
último porque a gente gosta mesmo é de “arroz da hora”. A comida da minha mãe é
da hora, isso sim.
A
única coisa que minha mãe não fazia era café. Eu, com uns cinco anos ou menos,
não sei, comecei a fazer minha mãe me levar na vó Ana pra tomar café. Ah, o
cheiro do café da vó... Minha mãe cansou de me levar todo dia e começou a fazer
café em casa, a vó já foi para outra dimensão, mas ainda hoje, quando raramente
passo na rua em que ela morou, sinto cheiro de café. E chego em casa querendo
café.
Na
estrada, a caminho da casa dos meus pais, tem uma fábrica de suco de laranja. O
cheiro nesse pedaço de mundo tem o mesmo cheiro do bolo de laranja da mami.
Obviamente que eu respiro bem fundo e engulo um pedaço desse ar. Tô chegando em
casa e o apetite vai abrindo. Aliás, meu apetite cansa de comer fora e, em dado
momento, o estômago grita: COMIDA CASEIRA. Depois desse apelo, vem o COMIDA DA MÃE.
Mais
do que amar comer, eu amo as lembranças que um alimento feito com carinho me
desperta. Talvez por isso eu tenha um pouco de pânico de praças de alimentação:
muito cheiro misturado, pouca lembrança. Até porque eu como pra lembrar,
diferente dos que comem pra viver ou vivem pra comer. Beijo, mãe. Essa é toda
pra você.
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