SOBRE FAZER CAFÉ E MEDITAR >> Cristiana Moura
Penetra-me as papilas gustativas ao mesmo tempo em que escorrega-me corpo a dentro. Aqueço-me do líquido negro. Aconchego-me em seu sabor, em seu aroma, em seu frescor. Por um instante cerro os olhos e ainda o sinto lá no fundo da língua, como se quisesse ser um chocolate dos mais amargos. Não. Compará-lo deve ser coisa de memória pessoal. Ele não quer ser. Café é café. Um prazer negro, aromático, longo.
— Um expresso por favor!
Até agora há pouco, este era um pedido cuja resposta me parecia simples. Alguém aperta um botão e o café sai da máquina mágica. Por passatempo decidi fazer um curso de barista. Já que tomo frequentes cafés, por que não fazê-los?
Ah, a máquina não faz parte de uma fábula. Há de se conhecer o café. Há de saber moer. E para tanto é preciso saber o tempo certo, encontrar a textura desejada e a quantidade minuciosa. São de dezoito a vinte gramas para um café expresso. Minuciosidade esta escondida do cliente. Há de prensar com a força exata o café já moído. Só então levá-lo à máquina e continuar o passo a passo.
Hoje fiz café. Foi como ser criança com um brinquedo que não tem em loja. Hoje fui criança com um brinquedo que se constrói ao brincar. Hoje fiz café. Morri em sabor e aroma. Renasci em força e delicadeza entre o café ser grão, ser pó e ser líquido.
E isto sem falar de tudo que veio antes: o plantio, a colheita, a separação do café. Vocês sabiam que café só amadurece no pé? Se tirar antes era uma vez. Fiquei pensando que é que nem gente. Quem vive com a cabeça nas nuvens tende a viver meio longe da possível maturidade. Gente é assim, que nem café, há de ter os pés bem fincados ao chão para amadurecer.
Máquina mágica de café expresso? Meu respeito aos baristas. Eles sim são magos! Fazer café é que nem meditar. O barista quando faz o café, faz uma meditação a ser servida ao outro. Lembrem-se, quando vocês bebem um café, bebem também a meditação de quem o fez.
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