O QUANTO >> Carla Dias >>
Conversando com um amigo, relembrei alguns momentos que pontuaram nossa amizade. Isso foi antes das mudanças representativas, de quando as estações de metrô entre nós não davam a impressão de que vivíamos em continentes distintos.
Nós conversávamos, sem correria. Na época, eu já batia minhas quase doze horas de trabalho por dia. Mas o tempo... Que gosto tinha? Era mais lento? Eu era menos atarefada? Acho que éramos mais gentis com o tempo, isso sim. Nós o apreciávamos reconhecendo a presença do outro. Nenhum Smartphone ou iPad se intrometia entre nós, e estou certa de que não apenas pelo fato de essas tecnologias não estarem disponíveis na época. A verdade é que adorávamos conversar, e as nossas conversas eram longas, e principalmente sobre música.
Eu já disse, e perdi a conta de quantas vezes e em quais ocasiões, que a música me permitiu ter amigos. Não fosse eu estar envolvida com ela, poucos dos amigos que são realmente presentes na minha vida sequer saberiam de mim.
Neste caso, ainda tínhamos a vantagem de tocarmos o mesmo instrumento, a bateria. Foi esse amigo que me apresentou uma série de bandas, mas sempre acabávamos falando sobre Jimi Hendrix. Em contrapartida, apresentei a ele o Charles Bukowski. Trocar figurinhas sempre foi um gosto nosso, e música, literatura e cinema estavam sempre presentes, não somente como citação de gosto pessoal, como fazemos ao curtir uma fanpage. Trocávamos discos, filmes e livros.
E coisas da vida da gente, obviamente.
Eu tenho uma dificuldade tremenda em fazer novos amigos. É preciso que a outra pessoa seja deveras dedicada para fisgar a minha atenção, e então, a mim. A maioria dos meus amigos o é há mais de uma década. Talvez seja uma questão de geração: eu gosto de conversar e não há celular que me distraia nessa hora. Em relação ao contato por meio de tecnologia, o e-mail ainda é o meu preferido. Eu gosto de escrever mensagens, porque elas me lembram das cartas que eu adorava enviar pelo correio. Para os amigos, elas costumam ser tão longas quanto as que eu enviava pelo correio. A rapidez da comunicação dos dias de hoje é muito interessante, mas quando se trata do amigo, do tipo em que a amizade sobrevive até às grandes pausas entre uma visita e outra, um telefonema e outro, uma mensagem por e-mail e outra, é necessário mais. Pode não funcionar para todos, mas para mim são as longas horas na sala de casa, batendo papo, concordando e discordando com o maior respeito. Um filme, um disco... Dois, três discos. A certeza de que a pessoa está li porque quer, assim como eu. Nada forçado, na conta da diplomacia ou da severidade de se cumprir agenda social.
Essa conversa por e-mail com esse amigo me fez refletir sobre as relações que construímos com as pessoas. Sobre o quanto – considerando as urgências contemporâneas - desejamos conhecer alguém define o como essa pessoa irá figurar nas nossas vidas.
Perguntei como ele estava. Ele respondeu que fazendo o possível para manter o coração batendo, que ele é incapaz de se habituar ao superficial. Que ele é do beijo e do abraço de verdade seja no final da mensagem ou na presença do outro. Essa honestidade sobre o afeto pelo outro demanda tempo, e não está escravizada pela mensagem visualizada e não respondida em trinta segundos, pela necessidade de registrar cada sorriso, pelo escancaro da intolerância mediante a diferença de opiniões e escolhas.
Afeto, meus caros, é trabalho contínuo. Ele até sobrevive à distância geográfica e às estações de metrô. Debruça-se em lembranças, mas daquelas que não se tornam muletas para o presente, e sim inspiração para o agora, para desancorar sorriso, libertar a conversa.
O quanto você quer conhecer o outro?
Eu quero o quanto capaz de manter o coração batendo e o espírito em deslumbramento.
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