GRAÇAS AO PERIGO >> Cristiana Moura
Fomos colegas na faculdade de Artes Visuais. Nesta época não éramos próximos. Hoje em dia, o rapaz já homem feito, me parece um mago das linhas que, em seu gesto, ganham graça, força e forma – sua arte.
Parei-me mais tempo diante um dos seus desenhos. A imagem me absorve e me transporta. Ao centro do quadro a imagem de um redemoinho. Sendo tragada por ele uma caixa. Nesta caixa uma abertura, na qual uma mão se segura, possivelmente tentando não ser levada pelo redemoinho. Nas linhas de Diego os redemoinhos do meu próprio caminhar.
Foi bem depois que fiquei sabendo dos seus pedaços de vida. Quando era menino, morria de medo d’água. Fosse mar, fosse lagoa, fosse rio ou mangue. Era menino ainda franzino, ainda miúdo quando seu pai que era pescador o levou para um passeio. Não era qualquer passeio. O caminhar seguro de mãos dadas pelas rua dava lugar ao balanço nauseante da canoa no mangue. Entrou em pânico. Corpo quase congelado. Todas as lágrimas, daquelas que são feitas de medo, ele pôs para fora naquela hora. Daí em diante, infância, adolescência, juventude se resguardaram à segurança da terra firme.
Antes dos seus trinta anos, decidiu com firmeza que enfrentaria esses medos que pareciam ter nascido antes mesmo dele. Era homem com seus temores, mas era também homem com sede da natureza aquosa.
As linhas escorregando caneta adentro do papel já eram íntimas do nosso artista. Para cada situação impossível de ser vivida em um mundo de receios, um desenho, múltiplas linhas. Diego passou a vive-las em um mundo onírico de imagens inventadas.
“— Na arte sim, eu poderia estar no redemoinho, numa ponte nas alturas. Poderia não saber por onde caminhar. Estar na canoa. Na água. ”
Então foi assim. Graças à essa relação difícil com a água, com as alturas, somado ao seu talento e estudo em artes, Diego pode inventar tantas imagens para si. Diego pode inventar tantas imagens, e isto eu não sei se ele sabe, para nós.
Para quem, como eu, precisa de arte para ver o mundo, para ver a si, e para se encantar, seus desenhos tornam-se presentes. Vejam bem, encantamento para mim, é como feijão com arroz para a fome.
Diego agora faz natação. Achando pouco, ele está aprendendo a surfar. Isto mesmo, daqui a pouco estará pegando aquela onda última lá longe.
Ah, me desculpem. Queria mesmo era falar deste recorte da produção artística de Diego de Santos. Apropriei-me do título de sua exposição para batizar esta crônica. Mas no meio do caminho misturei-me em sua arte de forma a senti-la em meu próprio corpo. De forma a enfrentar meus próprios medos. Encantei-me não só com as linhas nascidas do seu gesto em desenhos, mas com as linhas das suas mãos contando sua história.
— Graças, Diego! Graças ao perigo!
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