NO BAR DA RUA DO PORTO >> Sergio Geia
A Mantiqueira acordou de ressaca, amigo,
abraçada por uma cortina cinza. Juro que ela revela um quê de arrebentação,
como se eu visse o próprio mar; sim, um mar brabo que cobre montanhas em
desconstrução, avançando sobre um playmobil de pedra desse Vale, até chegar
aqui, pertinho de mim, aos pés do Santorini.
Que imagem tosca! — cê tá pensando aí,
né, não? Mas releve. Digo isso porque eu, assim como a Mantiqueira nessa manhã
escura, também dei por mim com uma cortina cinza a me abraçar depois de uma
noite trash, além de acordar com dor nas pernas. Logo eu, que caminho regularmente,
que faço musculação. Mas muito mais pelo desajeito na forma de me sentar lá no
bar da rua do Porto, que é bão, bicho, onde cachaças e brejas me botaram de
venda e me fizeram acordar como um pobre Chaplin manco.
Mas ressaca é assim mesmo, uma azeitona
de empada. Se não a quer, que dispense a empada e faça como meu amigo Gomes, que
prefere uma coca gelada. Ultimamente ando mais pra Ricardo (meu camarada
chegado num uisquinho) que pra Gomes. Não sem razão.
É que outro dia me deparei com uma
notícia curiosa nos jornais. Ela dizia que quem tem o costume de beber,
principalmente com os amigos, é menos estressado, e tem mais chance de alcançar
êxito profissional, em comparação com aqueles que não bebem. No âmbito
profissional, o cara que não bebe é visto com desconfiança, parece que sua caretice
num momento de descontração pode atrapalhar futuros negócios.
Só uma pausa: estou escrevendo esta
crônica e fui interrompido por um insuportável de um alarme. Há uma casa aqui
na esquina, um ponto de comércio. Todos os dias, na mesma hora. Se tem ladrão,
como ninguém aparece, eu pergunto: de que adianta o alarme a não ser atrapalhar
o sono dos justos, o sexo dos amores e a inspiração dos cronistas?
Mas voltando, só sei que não sei se faz
bem ou não. A ciência diz que se for com moderação, bem faz. Quem nunca ouviu a
máxima que um cálice de vinho todos os dias é um santo remédio pro coração? Meu
saudoso vô Assumpção é prova viva dos benefícios. Quer dizer, ele já morreu.
Mas morreu bem, tomando sua cachaça todos os dias. É que ele viveu muito e com
uma lucidez impressionante. Quando a morte bateu na sua porta na rua Barão, ele
a aceitou de bom grado. Nada de enrolação. Acho que tomaram uma cachaça juntos
e foram embora sem mais delongas.
A vida de solteiro anda me permitindo
certos derivativos, e um deles é o contato mais íntimo com o álcool. Um
uisquinho no final do dia, a boazinha... Outro dia um colega me disse que fez
serão. Que chegou ao escritório e ficou lá, até de madrugada, trabalhando. “Só
com um uisquinho, é claro; senão ninguém aguenta”. Pois eu o invejo.
Sinceramente? Gostaria muito de ficar até tarde da noite escrevendo crônicas,
mesmo que à base de uísque. Já ouvi relatos de artistas que usam desses
expedientes como despertador de enlevadas inspirações. Comigo não funciona, amigo.
Infelizmente. No máximo, a inspiração para um belo de um mergulho no
inconsciente. De preferência, na cama.
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