EM (DES)USO >> Mariana Scherma
Eu
tinha acabado de fazer café, coloquei na xícara e fui entregar para a minha
mãe, quando ouvi um sonoro:
_
Sem pires?!?! Cadê o pires? Eu só tomo café com pires, você sabe.
Veja
bem, eu saí da casa dos meus pais há mais tempo que os dedos da minha mão podem
contar e, desde então, não me lembro de ter tido pires no armário, nunca. Na
verdade, minhas louças ainda são da fase de estudante universitária e, por mais
selvagem que pareça, não vejo muito problema em tomar água no copo de
requeijão. Alguns até têm desenho do Scooby-Doo, gente. Adoro copos que nos
permitem juntar hidratação, diversão e reaproveitamento.
Sou
essencialmente prática como dona de casa, por isso não vejo sentido de usar
louças que funcionam mais como adjetivos rococós. É, pra mim pires é isso: um
enfeitinho desnecessário. Ou um miniprato pra comer um micropedaço de bolo. Mas
quem come um micropedaço de bolo? Ok, se você adoça o café quando vai bebê-lo
precisa do pires pra colocar o colherzinha, mas se já faz café adoçado. Ora,
ora...
A
real é que o mundo está cheio dessas coisas. Pires. Dentes do siso. Torpedo de
celular na era do WhatsApp. Fotos com o ex. Agenda... Pera, eu ainda uso
agenda. Telefone fixo. Não, calma, meu pai só usa telefone fixo. Rádio. Filme
de câmera fotográfica. Sogra. Quer dizer, tem sogra que é gente boa. Máquina de
escrever. Título de eleitor. Meu senhor, por que não juntar tudo em um
documento só?
Tem
um universo de coisas (e pessoas) com pouca utilidade, que se não fosse por um
e outro já teriam entrado em extinção. Mas aí vêm as exceções. A minha mãe e
sua necessidade maluca por pires. Meu pai e sua falta de jeito com celulares.
As sogras legais e livres de possessividade. Os dentes do siso encaixadinhos
que não bagunçam a arcada dentária. As pessoas que só se lembram dos
compromissos marcados na agenda (oi, gente!). Enfim, aquela história de que
o-que-seria-do-vermelho-se-todos-só-gostassem-do-azul.
Começo
de ano tem um pouco disso. Tentar usar bem mais que só os tais 10% do cérebro
(seja isso mito ou não). Livrar-se de tudo o que não tem utilidade (menos da
sogra, hein!) ou então arrumar utilidade pra tudo aquilo que anda encostado na
sua casa, na sua vida, na sua bolsa. Continuo me recusando a ter pires, mas
ainda sou uma das poucas pessoas que dão lucro às fábricas de agenda de papel.
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