ESPELHO, ESPELHO MEU >> Mariana Scherma
Era
um vilarejo muito peculiar. As paredes das casas feitas de espelho, dentro e
fora porque a vaidade era tanta que não se pode perder nenhum detalhe. Já
pensou ser visto com o cabelo desarrumado? Já pensou passar quase uma hora
inteira sem ver seu próprio reflexo. Aliás, qual a necessidade de pinturas,
flores e esculturas para enfeitar os ambientes internos quando a gente só quer
mesmo se deliciar com a própria imagem?
As
pessoas do vilarejo tinham um dialeto bem peculiar. O bom dia ou o oi-tudo-bem
fora extinto há tempos e trocado pelo uhuuu. Uhuuu aliás, segundo o dicionário
deste povo, possui múltiplos significados: exprimir felicidade, quebrar o
silêncio (porque, às vezes, o silêncio faz a gente pensar), celebrar um prêmio,
celebrar um novo amor surgindo... Se a vida é feita de momentos, a melhor opção
para a trilha sonora são uhus.
Este
vilarejo era também povoado pelo amor livre. João beijou Márcia, que pegou o
Marcelo, que também queria pegar a Flavia, que teve um lance com o Caio. Aliás,
amor era uma palavra em desuso por lá. Pegar, ficar, só um lance e curtir eram
os verbos que mais faziam referência aos romances. E estava liberado, todo
mundo poderia enfiar a colher no “amor” alheio, que às vezes duravam uma ou
duas noites.
As
conversas tinham uma profundidade rasa nesse vilarejo. Falava-se muita da vida
do outro - tal qual toda vizinhança que se preze, do tipo que, como dizia sua
avó, se senta no próprio rabo pra comentar dos outros. Não era raro existir
pessoas da comum espécie leva-e-traz, aí sabe o que acontecia? Barracos. Igual
a toda família que passa tempo demais junto e tem liberdade excessiva entre si
pra falar. Aliás, perdia-se, nesse vilarejo, grandes oportunidades de se calar.
A arte de guardar suas palavras estava em extinção.
Em
extinção também estavam livros e músicas que faziam pensar. Os hits musicais
estavam mais para o tuts-tuts-pa-pum, sem letra, só com uma batida pesada que
convidavam cada morador a dançar na frente do espelho até o chão. Sempre
gritando uhu, o hino nacional do vilarejo. O lugar também tinha seu
chefe-máximo, que aparecia via televisão aos moradores, às vezes, incitando
brigas, dúvidas ou deixando os moradores sem graça. O chefe-máximo era metido a
poeta e discursava bastante, o que deixava os moradores com cara de ponto de
interrogação ou com aquele sorriso falso de o-que-ele-quis-dizer?
Um
dia, foi preciso um pedreiro para um conserto e pasmem: não havia pedreiros. O
lugar era superlotado por modelos e candidatos a cantor e ator. Às vezes, tinha
um jornalista. Em raras ocasiões, um médico e um administrador. Não se sabia
como prosperar nesse tipo de lugar. Poucos conquistavam seu lugar ao sol, no
sentido figurado mesmo. Porque, literalmente, estavam sempre tomando sol à
beira da piscina. A vida do pessoal deste vilarejo era transmitida em televisão
aberta. Nunca conheci ninguém dizendo que se tornou alguém melhor por
assisti-lo.
Essas
semana começou o tal Big Brother Brasil. A Globo insiste em não pôr fim ao
programa. São tantas pessoas que passaram por lá que poderiam formar uma
pequena cidade, um vilarejo bem peculiar mesmo. E aí, você vai dar uma
espiadinha? Ou vai fazer bom uso do controle remoto? Ou vai deixar a tevê descansar
um pouco?
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