PERSEGUIÇÃO >> Albir José Inácio da Silva
Pedro olhou pro relógio quatro vezes nos últimos cinco minutos. O ônibus não estava atrasado ainda, mas podia se atrasar. Mexia-se, mão no bolso, coceira na perna, na cabeça. Abre bolsa, fecha, confere a marmita. Não vazou, já tinha visto isso.
Uma estudante percebe a angústia. Pedro foi pouco à escola, mas sabe que se pode chegar atrasado lá. No máximo fica de castigo. Ele, não. Não pode se atrasar. A menina não se contém: “Calma, moço, o ônibus já vem”.
O ônibus podia chegar mais cedo, pelo menos hoje. Nada pode ser pior do que atraso hoje. Quer dizer, o pior aconteceu ontem, botaram o Jorge como encarregado. Tanta gente pra escolher. Tinha que ser o Jorge. Jorge que nunca gostou dele. Jorge que o perseguia, humilhava, antes mesmo de ser encarregado. Imagina agora, o que não vai fazer.
Deve ser coisa de santo que não cruza, essa ojeriza desde o dia que Jorge chegou na fábrica. Cabelo esquisito, manga dobrada pra mostrar que é forte, nariz pra cima e voz gritada. Pedro detesta voz alta. O olhar é de zombaria. Tudo é motivo de gozação quando vê o Pedro: roupa, marmita, sapatos e até o santinho de sua devoção. Aquilo é um demônio.
Quando o Seu Nicolau anunciou o novo encarregado, Jorge sorriu um sorrisinho amarelo e olhou pra ele. Por que olhou pra ele? Lá vem perseguição. Pedro não dá motivos, mas quem disse que precisa. Quando o diabo quer, ele arranja o motivo.
O ônibus chegou na hora, mas nada acalmava o coração de Pedro. Gastou a viagem sofrendo pelo que se transformaria sua vida daqui pra frente. No portão, teve vontade de não entrar. Estava no horário, mas teve medo de atraso no seu relógio. E quem estava perto do escritório? Jorge.
O novo encarregado viu quando Pedro entrou e foi na sua direção. Pedro se armou: não ia aturar desaforos, que se danassem os quinze anos de casa, tinha vergonha na cara, trabalho não falta pra quem é honesto. Suportou aquilo tudo porque era na conta de brincadeira de colega, mas não ia aguentar humilhação de chefe. Levantou o queixo e desafiou Jorge com o olhar, mas ele nem percebeu:
— Seu Pedro, eu queria falar com o senhor. Eu sei que a gente tem nossas diferença. Acho que o Senhor não gosta de mim. E até com razão. Eu tenho umas brincadeira meio esquisita. Mas isso era antes. O senhor me desculpe qualquer coisa. O Seu Nicolau disse pra mim arranjar um homem de confiança pra ajudar nessa coisa de encarregado. Eu sei que o senhor conhece bem o serviço, tá aqui há mais tempo que eu, e se o senhor quiser trabalhar comigo, eu vou ficar muito sastifeito. Tem uma coisinha a mais no salário e o batente não é tão pesado. Pensa direitinho, depois o senhor me fala.
Jorge apertou a mão de Pedro e se afastou. Pedro ficou olhando a mão ainda esticada. Pigarreou, piscou com força duas vezes, fungou e sacudiu a cabeça para espantar uma bobagem que lhe deu no peito – isso de bobagem não é coisa de macho.
Uma estudante percebe a angústia. Pedro foi pouco à escola, mas sabe que se pode chegar atrasado lá. No máximo fica de castigo. Ele, não. Não pode se atrasar. A menina não se contém: “Calma, moço, o ônibus já vem”.
O ônibus podia chegar mais cedo, pelo menos hoje. Nada pode ser pior do que atraso hoje. Quer dizer, o pior aconteceu ontem, botaram o Jorge como encarregado. Tanta gente pra escolher. Tinha que ser o Jorge. Jorge que nunca gostou dele. Jorge que o perseguia, humilhava, antes mesmo de ser encarregado. Imagina agora, o que não vai fazer.
Deve ser coisa de santo que não cruza, essa ojeriza desde o dia que Jorge chegou na fábrica. Cabelo esquisito, manga dobrada pra mostrar que é forte, nariz pra cima e voz gritada. Pedro detesta voz alta. O olhar é de zombaria. Tudo é motivo de gozação quando vê o Pedro: roupa, marmita, sapatos e até o santinho de sua devoção. Aquilo é um demônio.
Quando o Seu Nicolau anunciou o novo encarregado, Jorge sorriu um sorrisinho amarelo e olhou pra ele. Por que olhou pra ele? Lá vem perseguição. Pedro não dá motivos, mas quem disse que precisa. Quando o diabo quer, ele arranja o motivo.
O ônibus chegou na hora, mas nada acalmava o coração de Pedro. Gastou a viagem sofrendo pelo que se transformaria sua vida daqui pra frente. No portão, teve vontade de não entrar. Estava no horário, mas teve medo de atraso no seu relógio. E quem estava perto do escritório? Jorge.
O novo encarregado viu quando Pedro entrou e foi na sua direção. Pedro se armou: não ia aturar desaforos, que se danassem os quinze anos de casa, tinha vergonha na cara, trabalho não falta pra quem é honesto. Suportou aquilo tudo porque era na conta de brincadeira de colega, mas não ia aguentar humilhação de chefe. Levantou o queixo e desafiou Jorge com o olhar, mas ele nem percebeu:
— Seu Pedro, eu queria falar com o senhor. Eu sei que a gente tem nossas diferença. Acho que o Senhor não gosta de mim. E até com razão. Eu tenho umas brincadeira meio esquisita. Mas isso era antes. O senhor me desculpe qualquer coisa. O Seu Nicolau disse pra mim arranjar um homem de confiança pra ajudar nessa coisa de encarregado. Eu sei que o senhor conhece bem o serviço, tá aqui há mais tempo que eu, e se o senhor quiser trabalhar comigo, eu vou ficar muito sastifeito. Tem uma coisinha a mais no salário e o batente não é tão pesado. Pensa direitinho, depois o senhor me fala.
Jorge apertou a mão de Pedro e se afastou. Pedro ficou olhando a mão ainda esticada. Pigarreou, piscou com força duas vezes, fungou e sacudiu a cabeça para espantar uma bobagem que lhe deu no peito – isso de bobagem não é coisa de macho.
Comentários