NA BARBEARIA >> André Ferrer
Quem nunca foi ao barbeiro e, durante a espera, teve que aturar um
tiozinho que, triunfante, afirmasse: "no tempo da ditadura, vagabundo não
tinha vez"? Daí essa história de Marcha da Família ou coisa que o valha
não constituir nenhuma surpresa para mim. Cedo ou tarde, os tiozinhos da
barbearia mostrariam a cara.
Não pense, contudo, que eu seja de esquerda. E como simplesmente repudio
qualquer manifestação do maniqueísmo, corra para bem longe de mim se você acha
que eu e os saudosistas do DOPS nutrimos alguma simpatia uns pelos outros. Acredite: é possível
não ser marxista e não desejar uma intervenção militar neste país.
Ocorre uma paranoia na sociedade, que se reflete nas redes sociais.
Graças à preguiça mental, as pessoas tendem a colocar a esquerda e os militares
em lados opostos, como se os roteiros maniqueístas de Anos Rebeldes e O que é
isto companheiro? reverberassem ad aeternum
nas suas cabecinhas afetadas pela maior emissora de televisão do país. Ora,
todas as ditaduras de esquerda, cara-pálida, são também militaristas.
Voltemos à barbearia. Invariavelmente, o barbudo local também estará
presente e atento. Não, ele dispensa a navalha e a opinião imperialista dos
outros. Ele é professor ou advogado, não importa. Vive bem, mas apara os grisalhos
da cabeça com parcimônia e de forma igualitária. Ele discute. Pede que lhe
perfumem as barbas de sr. proletário e provoca. Enquanto a conversa esquenta, os
tiozinhos escanhoados torcem o nariz.
Positivo. É legítima, a luta contra a opressão. Ótimo! Planejaram a
instalação de um regime comunista na época da Guerra Fria, nos anos de 1960 e
1970, e vá lá, uma ideia até razoável. Péssimo, caro sr. proletário, é cogitar,
mesmo que de maneira remota, um regime comunista "hoje em dia"!
Por quê?!
Porque chega a ser de um anacronismo e de um cinismo violento. Ora, os
despojos da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas infectam a Europa
exatamente como as famílias sicilianas o fizeram desde o Renascimento. A
transformação do socialismo em um estado de terror e corrupção na URSS deixou o
seu legado para o mundo: a máfia russa, liderada por ex-agentes da KGB e ex-membros
do "Partido".
Absurdo! E o legado libertário da esquerda? A proteção ambiental? O
Greenpeace, por exemplo, não existiria sem a luta de classes.
O Greenpeace, para mim, é uma franquia. A
propósito, não passa de uma franquia bem resolvida e honesta. Começou
"esquerdinha" com aqueles barbudos do
meio-oeste americano e do Canadá. A contracultura e o movimento hippie criaram esses pioneiros (arautos da
era romântica do ativismo ecológico) que, logo, brigaram entre si: uns queriam
instalar pregos nas árvores para assassinar operadores de motosserra, outros
queriam abraçar as sequoias gigantes, cantando odes às deusas da natureza. Ou
seja, a mesma dinâmica de sempre: a minha verdade é melhor do que a sua. O
Greenpeace e a maioria dos partidos bolcheviques têm uma diferença: o
Greenpeace saiu do armário. É uma franquia bem resolvida. Seus ativistas
capitalizam até os átomos do corpo ou você não viu quem sairá na próxima capa
da Playboy? Ora, as pessoas capitalizam em cima de tudo. Nenhuma
ideologia fica livre da máquina registradora.
Infelizmente, havia mais tiozinhos escanhoados do que barbudos no
recinto. O professor ou advogado, pouco importa, não acreditava. De onde vinham
tantos “reaças”? Um veterano da FEB, no seu andador, atravessava a rua naquele
instante.
Daí eu pergunto: socialismo e/ou comunismo é/são opção/ões no mundo de
hoje?!
Claro que sim!
Balela! O "castrismo" e o "chavismo" (que náusea!)
mete o folclore socialista goela abaixo de todos e controla a opinião pública
com mecanismos tão criminosos quanto aqueles empregados por aqui nos anos de
1960 e 70. Na Venezuela, os jornalistas têm duas opções: ou se transformam em
inimigos proscritos do regime ou se convertem em títeres (fantoches). Antes de
o fracasso mundial do socialismo aparecer externamente à "cortina de
ferro", a ideologia de fato empolgava. Agora, a teoria de Marx e Engels e,
claro, as suas diversas formas regurgitadas com sangue e poder estão a serviço
de exploradores da boa-fé! Agem como parasitas de multidões pouco ou nada
instruídas. Vivem do oportunismo de pessoas instruídas e sedentas pelo seu
lugarzinho ao Sol no sistema de poder e corrupção possível, como ocorre na
Venezuela. Sob o pretexto de "dividir o pão", controla-se a padaria
toda e, em pouco tempo, só há farinha na mesa da elite política. O resto, nesse
abjeto socialismo, é propaganda mentirosa, "cortina de ferro",
corrupção e uma imprensa feita por jornalistas biônicos.
Boa tarde.
Em silêncio, todos esperaram a marcha do veterano da FEB que, apoiado na
sua trêmula armação de metal, cruzou o salão na minha direção. Levantei-me,
ofereci a cadeira, inventei uma desculpa e caí fora daquele mundo sufocante e
dividido.
Enquanto respirava o ar
fresco da rua, uma ideia me ocorreu. Com extremo pesar, pensei naquele universo
de pessoas que não diverge e tampouco reflete. Os eleitores desqualificados.
Aqueles que votam a troco de programas sociais. Não. Não apenas por isso! Claro
que não! Existe um messianismo idiota, sincretismo de cristianismo, folclore
político, banzo (melancolia afrodescendente), ressentimento social, mil coisas
desse tipo, enfim, que clama por uma salvação milagrosa. Nesse caldeirão, qualquer
força mal-intencionada, militarista ou bolchevique (as duas coisas também
acontecem simultaneamente, vide Cuba, Venezuela e China, três ditaduras
militares socialistas) pode se travestir de "Salvador, Messias,
Paladino" (lembra o Collor, caçador de marajás?). Para essas pessoas, o
mundo fica mais fácil quando dividido entre o bem e o mal.
A essa fraqueza se dá o
nome de maniqueísmo. O maniqueísmo é a forma mais reles de pensamento. Dividir
a diversidade do mundo em duas categorias únicas é um desrespeito à
inteligência de um rato. Preto e branco, homens e mulheres, direita e esquerda.
Isso é tudo? E as nuanças? A faixa do cinza?
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Imagem: Capa do livro “Gangue da
Chave Inglesa” de Edward Abbey, ilustrado por Robert Crumb. Narrativa das ações
de um grupo de ecoterrotistas em Utah, Estados Unidos. Clássico dos anos de
1970.
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