ESTRELAS E TROVOADAS NO MONTE >> Albir José Inácio da Silva
NASCIMENTO
A ambulância não veio, apesar das muitas ligações.
Mariana desceu com a ajuda de um mototaxista, mas nem chegou no asfalto. O
menino nasceu numa borracharia, aparado pela mulher do borracheiro, de unhas
sujas e coração puro.
Quando amanheceu, Mariana estava sentada num pneu
com a criança no colo. Estrangeiros, que subiam a favela em visita guiada, se encantaram
com a cena – uma criança no colo da outra - e deram presentes porque era Natal.
Mariana desistiu do socorro médico e subiu cambaleante
de volta para o barraco com ajuda da parteira.
Acamada, a mãe de Mariana se emocionou com o neto,
apesar das vezes em que amaldiçoou a gravidez.
GRAVIDEZ
Educação sexual nas escolas é tema combatido pelos cidadãos
de bem porque pode despertar precocemente os instintos pecaminosos das
crianças. Segundo eles, é melhor que esse assunto fique por conta das mães para
as meninas e dos pais para os meninos.
Mas a pobre mãe de Mariana não sabia nada de sexo e só
repetia envergonhada uma ladainha sobre virgindade. Conclusão: Mariana ficou
grávida, como resultado das carícias desajeitadas do primeiro namoro. Grávida e
virgem.
Desesperada, a mãe chegou a procurar uma velha
fazedora de anjos, mas as irmãs da igreja a convenceram do contrário, falando
em assassinato e fogo eterno.
Mariana foi excluída pelo pecado da fornicação, mas
recebeu promessas de apoio material em forma de roupinhas e fraldas.
O menino foi chamado de Emanuel em homenagem ao avô
de Mariana.
ADOLESCÊNCIA
Mesmo sem pré-natal e pediatra, sem berço e às vezes
sem mingau, Emanuel cresceu com saúde. Talvez porque Mariana compensava com
amor, carinho e dedicação a dureza da vida.
Bom menino, vivia entre escola e igreja, evitava as
más companhias, e se dedicava aos livros e aos esportes. Humilde, Mariana educava
o menino no caminho em que devia andar, embora não fizesse parte do rol de membros.
Aos doze anos, Emanuel ouvia com interesse os
sermões, lia a bíblia e conversava com os adultos no templo, deixando todos encantados
e Mariana orgulhosa. O filho era tudo que lhe bastava.
Mas se existe uma idade em que o diabo fica
especialmente assanhado com uma alma, é na adolescência.
E exerce sua influência principalmente através de
novos amigos. Por exemplo, essas ONGs que pululam nas comunidades para
desencaminhar os jovens com idéias comunistas de igualdade, inclusão,
diversidade, direitos humanos e outros perigos que ameaçam as famílias
tradicionais.
JUVENTUDE
Uma coisa incomodava Emanuel enquanto os outros
celebravam o brilho e a riqueza do carro do pastor – presente de Deus! – diziam.
Mas ele pensava: quantas famílias da igreja, que dependiam da ajuda do
movimento para matar a fome, não poderiam ser alimentadas com o valor daquela
bênção? Diziam ainda que o reverendo morava numa mansão - longe da comunidade, claro!
Emanuel começou a fazer perguntas embaraçosas sobre as
obras da igreja cheia de mármore, aço escovado e vidro fumê, e a miséria que
reinava no entorno. O nosso melhor tem de ser para a casa de Deus, diziam os
anciãos. Mas ele não se convencia.
As coisas pioraram quando ele descobriu que a mãe
não fazia parte da congregação porque teve um filho – ele.
Um dia essas questões viraram bate-boca, e ele repetiu
heresias ouvidas em ONGs comunistas, e foi ameaçado com o fogo do inferno. Gritou
que eles eram vendilhões do templo e adoravam o dinheiro. De passagem, empurrou
para o chão os balcões e prateleiras cheias de livros e quadros que os irmãos deviam
comprar.
Correram atrás dele, mas não o alcançaram. Alguns irmãos lamentaram que não havia armas na igreja para essas emergências.
Emanuel nunca mais voltou ali.
SUBVERSÃO
A revolta de Emanuel contra a igreja não veio num bom
momento. O dono do morro, recentemente convertido, não admitia rebeldias contra
a fé. Ele trocou o nome da comunidade de Morro de São Cipriano para Morro de
Israel e fincou uma bandeira com a estrela de Davi na parte mais alta. Trocou
ainda seu próprio nome, de Onofre da Bala para Moisés.
(Continua em 27/12/2021)
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