NAQUELA MESA >> Sandra Modesto
Daqui a dois meses, no dia 31 de dezembro do ano estarrecido, corroído no vazio de muitas famílias, como cantar em coro, adeus ano velho feliz ano novo?
O ano velho levou para sempre, os que não estarão na última festa.
Dá pra dizer feliz ano novo olhando a mesa incompleta? Cadeiras vazias, olhares disfarçados tentando os risos fracos. Porque o pai não está ali, a mãe , a ovó, o avô, os tios e as tias, a amiga, o amigo.
A professora que contou histórias, as conversas marcantes, agora distantes demais.
Elas e eles viraram covas. Nas seiscentas mil e sete vidas perdidas, seria espanto, reforçar que quatrocentas mil pessoas poderiam estar vivas? Por isso meu bem, no último dia de dois mil e vinte um, recolha sua dor, não ignore a miséria do Brasil, saboreie devagar ao comer pedaços de lombo assado, lembre- se das pessoas comendo osso, catando comida no lixo, e se puder, assuma sua estranha paixão pela vida.
Naquela mesa imprevista, toalha branca escorregando pelos cantos. O feliz ano novo será meio assim, implacável na canção destoada. Feliz ano novo?
Não. Cada um vai chorar em silêncio
E recolher as sobras das saudades.
Comentários
Imagino eu...Quantas pessoas irão sentir uma dor doida ao ver uma cadeira vazia na sua mesa nesse final de ano
Parabéns pela lindíssima crônica.
600 mil pais, mães, filhos, irmãos e amigos tirados de nós, de uma vez só. Pra essas pessoas o dia 31 de dezembro será uma tristeza. Sem contar a fome, um grave problema social.