OK? >> Sergio Geia
(das pequeninas e desimportantes)
Eu lavava louças quando resolvi cortar um mamão. Peguei-o de cima da geladeira e um pedaço já sucumbia. Como estragam rápido os mamões! Até ontem era verde; agora, quase não presta mais. Arranquei a parte escura com uma faca de corte e uma boa metade ainda se ofereceu ao consumo.
Levei minha refeição frugal à sala. Liguei o som, a voz de Chico em suas caravanas tomou o ambiente. Ao abrir do violoncelo eu fechei os olhos:
"Súbito me encantou / A moça em contraluz / Arrisquei perguntar: quem és? / Mas fraquejou a voz / Sem jeito eu lhe pegava as mãos / Como quem desatasse um nó / Soprei seu rosto sem pensar / E o rosto se desfez em pó / Há de haver algum lugar / Um confuso casarão / Onde os sonhos serão reais / E a vida não / Por ali reinaria meu bem / Com seus risos, seus ais, sua tez / E uma cama onde à noite / Sonhasse comigo / Talvez” (A moça do sonho – Edu lobo / Chico Buarque).
Há de haver algum lugar, um confuso casarão, onde os sonhos serão reais e a vida, não, meditei...
Quando voltei ao miúdo, percebi o guardanapo embebido em sangue; um corte tolo na polpa do dedão da mão direita. Enrolei-o num lenço e continuei o trabalho de ajustes, agora na cozinha. Ao fim, esguichei às mãos o álcool gel, esquecendo-me do pequeno incidente. Vi estrelas.
Já a pensar no almoço — eu tinha visitas—, resolvi mandar um zap pro Alemão.
— Bom dia, Alemão! Você vende maionese hoje? Preciso de meio quilo.
Econômico nas palavras, Alemão me respondeu:
— OK.
Eu pensei, OK?, e logo completei:
— OK.
Mas não tardou o complemento. Avesso à escassez de palavras eu logo digitei:
— Eu passo aí.
E enviei.
Não houve mais resposta.
Comentários
Você devaneia através de algumas palavras.
E as palavras fluem.
Um mamão uma faca .É por aí vai levando nosso pensamento É mesmo admirável conto novo.
Me faz bem ler suas crônicas.
Vou junto com você onde queres chegar.
A cada crônica Sérgio Geia o meu muito obrigado.
Crônica é isso trazer a nós assuntos corriqueiros do nosso dia a dia.
Parabéns mais uma vez. Aguardando a próxima crônica.FUI
Anônimo, que delícia as suas palavras. Gosto quando a minha crônica se torna um respiro neste mundo tão cruel.
Albir, amigo, hoje pedi a maionese, e o Alemão manteve a regra: "Ok" kkkkkkkkk.
Paulo, querido, o dedão já está pronto para a outra rsrs