CENÁRIO 2 | AQUELE JARDIM
O lugar funcionando como se nunca tivesse parado, nem mesmo aos domingos de pancadas de chuva, de alagar expectativas. Um fervor de gentes que necessitam se deslocar das suas próprias realidades, visitar a de outros para se sentirem aninhadas na possibilidade de não terem definido a si mesmas com o descaso de quem tem preguiça de se enxergar no mundo.
Ele sabe que um precisa do outro para perceber a si. Que seria impossível praticar o mínimo de compreensão sobre a vida se não houvesse aqueles outros e a variedade de sutilezas e contrastes responsáveis pela construção do que muitos deles consideram ventura.
Um lugar de brindes, da ebriedade coletando gargalhadas defensoras da liberdade de ecoarem sem limites. Um lugar de encontros, de há tempos e há pouco, de permuta de notícias causadoras de rugas de espanto e tristeza, de caretas apreciadoras de segredos compartilhados, de um respirar profundamente de quem recebe informação que desalegra em meio a um cenário de celebração. E esse lamento dura um minuto, talvez um minuto e meio, e logo as conversas aprazíveis - entoadas quase aos gritos - estão de volta.
Ele sabe que é dia de festa, que o lugar foi enfeitado para receber o melhor de cada um. É cenário para encontros, mas também para se lembrar - torcendo para que a lembrança não sufoque - dos ausentes. Ele pensa nos ausentes com mais descaramento do que aqueles com os quais divide o jardim de sua casa. Todos eles com suas peculiaridades apaixonantes e manias irritantes. Todos eles com os prós e os contras de ser quem são.
Sente-se grato por aqueles que trafegam pelo seu jardim, segurando copos com seus drinques favoritos e as pequenas mãos dos seus filhos. Alguns se esforçam para manter o sorriso em ponto de deslumbre, incapaz de ser nocauteado pela profundez da tristeza compartilhada, travestida de capacidade de seguir em frente.
Quando perguntam sobre o que mais lhe faz falta, não sabe dizer. Ainda não chegou ao ponto de fracionar a ausência que tem sido sua companhia. Quando perguntam sobre como se sente, também não sabe dizer. Então, cala-se, como tem feito diante de cada insistência para que verbalize a saudade.
Sentado na varanda, observa os seus outros a circularem pelo jardim, esbarrando em flores que despertam histórias a serem compartilhadas, mais uma vez, entre um engasgo e um suspiro.
E ele sabe que a ausência será a única a não ir embora.
Imagem: Elegant Still Life with Flowers © Eugène Bidau
Comentários
um final absurdo de lindo numa crônica absurda de linda com trilha sonora escolhida por Carla Dias? O que mais posso dizer? Só posso me calar e ler de novo. E de novo.E...