AOS INQUIETOS >> Carla Dias >>
De todos os sonhos
Arrastados pela vida afora
Aquele que mais me assombra
É o que nunca sonhei
Às vezes, ela age assim, como se
nunca tivessem lhe confidenciado sobre a vida e seus desafios. Como se não
tivesse sido educada para lidar com abandonos. São dias em que a
vulnerabilidade a cerceia, vestida – elegância desalinhada – em realidade crua.
Só que de crueza profunda, feito corte que não é na carne.
Pronto-socorro não adianta.
Vulnerabilidade a deixa assim,
zonza, feito um Bobo da Corte parido para distrair distraídos. Munido com os
piores truques para incitar gargalhadas. Destinado ao fracasso.
Zonza, mas apenas até encarar seu
destino, porque já aprendeu que lidar com infortúnios exige uma coragem que não
desabona o medo. É ele, o medo, que mantém sua percepção afiada.
Não raramente, aprofunda-se em si, em outros. Então, enxerga além, acompanha entrelinhas, envereda por espantos.
Desvela silêncios.
Pode até não sorrir o sorriso esperado, dizer as palavras adequadas. Pode até não se comportar com o requinte de quem decorou manual de etiqueta ou respeitar tempo estabelecido. Mas continua ali, a lidar com os destemperos da sua existência, em dias em que a vida lhe parece tão frágil, capaz de se romper em um espirro.
Pode até não sorrir o sorriso esperado, dizer as palavras adequadas. Pode até não se comportar com o requinte de quem decorou manual de etiqueta ou respeitar tempo estabelecido. Mas continua ali, a lidar com os destemperos da sua existência, em dias em que a vida lhe parece tão frágil, capaz de se romper em um espirro.
Acontece de ela não caber em
retrato, roupa, desejo alheio ou dentro de casa. Basta cair uma chuvinha e ela
sai em passeio. Durante longas caminhadas, é capaz de reorganizar pensamentos gritantes,
esses rebeldes que se aproveitam da ocasião para badernarem os sentimentos
dela. Quando tudo se mistura no seu dentro, o barulho a incomoda. Ainda assim,
ela escuta o tal, durante esse show particular que tem como meta impacientar sua
paz de espírito.
Paz de espírito necessária. Feito
pausa, respiro.
Então, vem a taquicardia para
enfeitar a vulnerabilidade com um pouco de ritmo.
Ela se deleita durante a jornada
de descoberta sobre o que muda o andamento das batidas do coração e que também
é capaz de estremecer a alma. Passou tanto tempo erguendo seus muros, vigiando
seus limites, reverberando normas e vivendo rótulos. Especializou-se em se
preservar, até o dia em que se deu conta de que preservar-se, quando se trata
de ser, é o mesmo que anular-se.
Aos apegados às manchetes
sensacionalistas: ela aprecia redenções e chá de gengibre. Ama, ainda que não a amem
em contrapartida. Quebra silêncios hostis com a maior delicadeza. Encanta-se
facilmente por mistérios. Tem pudor nenhum em fazer escândalo diante de injustiças.
Aos curiosos: sim, seu coração é
partido mais vezes do que gostaria. Não, ela não sonha que um dia será diferente.
Ela já teve esse sonho. Hoje, ela vive essa realização.
Imagem © Carolina Bicudo
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