MEU SANTO >> Eduardo Loureiro Jr.
Albrecht Dürer, "Melancolia I" |
Meu santo fica comigo, dorme comigo, faz silêncio comigo. Ri quando eu choro e chora de alegria quando eu rio. Deixa que eu enfie um cotonete após outro em meus ouvidos. Meu santo ouve música comigo, faz música comigo. Observa os meus dentes guardados dentro da gengiva e meus caninos incisivos. Deixa que eu cavuque fundo a sujeira em meu umbigo. Meu santo é palpavelmente invisível e visivelmente sumido. Tem outros compromissos. Guarda segredos, coleciona sigilos. Tem seus amigos e inimigos. Meu santo é preguiçoso junto comigo, ou obsessivo. Jejua por diversão e come escondido. Às vezes troca de lugar comigo. Vai onde não quero ir, desde que lhe pareça propício. Meu santo fala besteiras a que dou ouvidos e resmunga conselhos que eu não sigo. Lembra de cada detalhe de tudo que tenho vivido, e tem preferências explícitas por este ou aquele período. Meu santo tem a unha esfolada, o joelho ralado, o braço quebrado, o cabelo assanhado, o traje puído... Meu santo é caído e recaído. É impreciso. Nem pensa naquilo. Não quer litígios. Deixa por isso.
Meu santo não é culpado nem cupido.
Meu santo sou eu: encarnado e esculpido, escarrado e cuspido, inspirado e escrito.
Comentários
não para pedir benção ou proteção
mas para que siga contigo, te acompanhe e guarde.
Rezo para que nunca te falte
música, palavra, cotonete.
Pra que seja meu santo,
junto,
con los de escudo e asas.
Para esse
meu discreto aprendizado em devoção
Grato.