ESCRAVISMO CONTEMPORÂNEO >> Carla Dias >>
Não se preocupe, eu lhe darei moradia e alimento, pois quem tem isso, o que mais pode querer? Não é para isso que as pessoas existem? Morar e comer?
Não vai lhe faltar aquele ensopado de sobras dos que jamais se alimentariam de sobras, tampouco aquela cama num canto qualquer, no qual descansar seu corpo, depois daquelas horas todas trabalhando para comer o que outros não comeriam. Dormir onde muitos nem sequer se encostariam.
Não é o que você almeja?
Veja bem, já ouvi muitos dizerem que presidiário é mais bem servido que vocês. Isso eu posso resolver, e sem o horror de colocá-lo atrás das grades.
Eu lhe darei moradia e alimento, vou cuidar de você. Em contrapartida, você será meu empregado, nas condições que eu oferecer, que não estou nesse mundo para dar moradia e alimento a vagabundo, que sou justo, e isso nem se discute. Que isso fique bem claro.
Então, nada de fazer corpo mole, exigir o que não está no contrato, mencionar siglas de instituições que você nem mesmo conhece, que algum rebelde qualquer cochichou em seus ouvidos. A grande questão aqui é que eu vou fazer o favor de permitir que você trabalhe por moradia e alimento.
Trabalhe duro, seja dedicado e respeitoso que, de quebra, em alguns anos eu lhe darei um bônus, porque sou patrão que olha por seus funcionários.
Um dia de rei... O que acha? Seu bônus será um dia de rei. Eu lhe darei duas folgas emendadas, assim você poderá preguiçar bastante e ir ao cinema. Ah, sim, o ingresso do cinema será um extra. Será bom para você conhecer o mundo pelo olhar de outra pessoa.
O que acha? Tudo de acordo com a lei, que não criminoso, não!
Depois de aceitar minha proposta irrecusável e assinar o contrato, passe ali na recepção e faça sua avaliação sobre como sou um patrão nota dez. Não se esqueça, tá? Nota dez.
Imagem: Poverty © Käthe Kollwitz
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