HAVIA UMA LISTA >> Sergio Geia
Havia tempos esperava receber uma pequena soma em
dinheiro. Vou explicar. Outrora, quando eu ainda era um menino (pois sabe que
me lembro de uma vez, um sábado de manhã, antes de fazer uma prova de
datilografia para um concurso, mandei ver alguns copos de cerveja com amigos,
de modo a relaxar os dedos? Pois é... coisa de menino), celebrei com a
Prefeitura de Taubaté dois contratos de trabalho: um, regido pela
CLT; outro, regido por estatuto próprio, dos servidores
públicos.
Ao término do primeiro contrato, como é de
direito, levantei de FGTS a infame quantia de alguns míseros cruzeiros, e que
hoje deve corresponder a uns R$ 950,00, ou R$800,00, isso lá pelo
ano de 1991.
Alguns anos atrás, veio a notícia de que o
sindicato que defende os interesses dos servidores ajuizara
com êxito uma ação contra a Caixa Econômica, defendendo a tese de que a correção do nosso pobre dinheirinho deu-se de forma irregular, com a aplicação
de um índice menor em relação ao índice que deveria ser aplicado; assim, eu e
mais alguns outros servidores na mesma situação, teríamos uma diferença a
receber.
A notícia correu de boca em boca no Paço
Municipal. Grande parte dos servidores estava incluída na referida ação, e
receberia alguns haveres por conta da decisão judicial transitada em julgado,
que reconheceu o direito desses humildes funcionários às diferenças de FGTS,
diante dos erros cometidos pela entidade mantenedora dos depósitos do FGTS
quanto às correções que deveriam incidir sobre os saldos das contas vinculadas.
A coisa chegou a tal ponto que se comentava à boca pequena que o menor valor a
receber aproximava-se de algo em torno de R$ 10.000,00, e que alguns sortudos
poderiam receber até R$ 40.000,00, uma boa soma, você há de convir.
Levando-se em conta o tempo em que cada beneficiário
levantou o seu FGTS, e, principalmente, a lentidão do Judiciário (posso
lhe adiantar que muitos anos, ou, sendo um pouco mais preciso, mais de 20 anos
se passaram), seria até razoável admitir a boa soma a receber, diante da
aplicação dos agora corretos índices de correção, mais juros, e, sabe-se lá,
quantas outras quireras, e que só um bom economista do sistema bancário poderia
explicar.
Pois comecei a sonhar. Não um sonho abstrato, com coisas imateriais, como o sonho que tive outro dia.
De repente, eu voava sobre montanhas e mar. Subia, descia, de vez em quando
parava debaixo de um cajueiro, depois, refrescava-se mergulhando no mar.
Sentia-me pleno, absolutamente livre e feliz. Quando me dei conta, vi montanhas,
vi o mar, mas não estava absolutamente livre e feliz, pleno de tanta beleza,
estava esmagado num avião prestes a aterrissar. Lembro-me que me aborreci muito
ao acordar, me aborreci com a interrupção do sonho e com o caminho que ele
tomou, me fazendo parar dentro de um avião.
Agora eu sonhava com um avião, muito embora não
goste muito da sensação de fragilidade que me toma o corpo todas as vezes que
me acho preso dentro de um. Mas só essa máquina voadora poderia me levar a
conhecer, quem sabe, os jardins da Porciúncula, a igreja de São Damião; ou quem
sabe, sendo mais materialista, visitar o Louvre, o Arco do Triunfo ou mesmo
descer a Champs Élysées até a Place de la Concorde. Um passeiozinho pela ilha
de Manhattan, uma noite em Beverly Hills...
Ah, e como é bom sonhar! E o sonho estava sendo
sonhado quando a notícia de que boa parte dos servidores nada teria a receber
começou a circular. Ninguém tinha uma explicação convincente a dar. Falava-se
que a maioria já tinha levantado o FGTS. E ontem, após dar um telefonema para a
Secretaria de Negócios Jurídicos da Prefeitura, fui informado de que meu nome
não estava numa tal lista.
Pois havia uma lista, amigo, uma lista dos
contemplados pelo dinheirinho a ser pago pela Caixa; pois nessa lista,
a lista dos sonhos, não figurava o meu nome.
Chego a pensar que tudo não passou de falácias, e
que ninguém, ninguém tinha a informação precisa do que acontecera na ação, nem
mesmo nossos iluminados advogados; e, se alguém tinha tal informação, a preferência
foi dificultar o acesso da gentalha.
Ilustração: www.marcellopepe.com
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