CASO DE TERAPIA QUE É UM CASO DE AMOR >> Mariana Scherma
Uma
suposta amiga me disse que eu tinha problema em gostar tanto de ler romances,
que era melhor levar esse assunto pra terapia. Veja bem, eu nunca achei que
isso fosse um problema. Ela só sabia que gostava de devorar livros, dos romances
com final feliz aos com protagonista serial killer, passando por algumas
histórias fantásticas. Biografias também, não só romances. Sei lá, mas sou mais
eu quieta na minha poltrona com o livro que transforme um pouco o que sou. Por
que raios ela achou que isso seria um problema, eu não sei.
Mas
na semana seguinte da terapia, lá fui eu com a dúvida: “seria mesmo um problema
trocar um dia de compras no shopping ou um café da tarde com pessoas que nem
lhe acrescentam nada por eu, eu mesma e meu livro?”. Óbvio que a psicóloga já
sabia que eu não tinha problemas de socialização, era bem falante e estava
longe da depressão. A resposta foi: “isso é seu charme. Seu hobby. Uma paixão.
Ninguém tem nada com isso”. É bem por aí: ninguém tem nada com isso. Nem essa
suposta amiga. Hoje eu penso que talvez eu devesse mandá-la a terapia por ficar
comparando salários entre a turma. E tentando ver etiquetas da marca das roupas. Ou talvez ela tenha me mandado ao psicólogo
por tanto furar com ela. Meus livros estavam mais divertidos. Vai ver foi
ciúme.
Ao
longo da minha vida, muitas pessoas entraram, saíram e entraram de novo. Ou
nunca mais voltaram. Mas livros novos (ou usados, sem preconceito) só entraram.
Se saíram, foram para empréstimos. Livros funcionam como pessoas. Depois que
eles entram na sua vida, você dificilmente volta a ser igualzinha a antes deles.
Hoje eu posso dizer que minha personalidade tem um pouco da ironia seca de Brás
Cubas, uma pitada do desastre divertido de Bridget Jones, tem uma colher (das
de chá) do amor louco de Anna Kariênina, tento ter uma dose investigativa tal
qual as protagonistas de Gillian Flynn e por aí vai. Assim como também sou um
pouco do humor sarcástico do Claudio, meu amigo, da insegurança do meu pai e do
carinho sem medidas da minha mãe.
A
gente não é mesmo uma ilha. E ao meu redor tem gente e personagens da literatura.
Se às vezes eu passo a morar em algumas páginas, paciência. Sonhar é
necessário. Levitar da realidade para pensar como seu personagem preferido. A
vida não é tão exata como parece. A gente escolhe como é melhor viver. E eu
escolho algumas páginas de papel cujo cheiro é uma mistura de felicidade e
empolgação. Nunca mais alguém vai me fazer acreditar que isso é um problema pra
terapia resolver.
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