ESPIANDO >> Sergio Geia
Na
casa de muro verde duas pessoas conversam no portão. A dona, do lado de
dentro; a outra, do lado de fora. Ficam algum tempo, depois a dona da casa
entra, mas a outra não vai embora. A dona da casa volta e a conversa recomeça.
A que está do lado de fora usa roupas brancas, parece uma enfermeira. Deve ser
cuidadora. Deve haver doente naquela casa, ou idoso que
requer cuidados.
São
sete horas. O domingo é cinza e frio. Não tem ninguém na rua. O Pops está
fechado. Nos bares que funcionaram madrugada adentro reina o mais inspirador silêncio.
A quietude só é quebrada de vez em quando pela cantoria que vem da igreja. É
canto de comunhão e a missa deve estar terminando; missa das seis e meia. Não
ouço mais o sino chamando pra missa das seis e meia. Decerto, alguém reclamou.
Um
homem se instala em frente ao Pops e começa a espiar. “Não há nada a espiar aí,
amigo!”. Desiste. Fuça o lixo. Cata latas. Vai embora.
Dona
Teresa caiu doente. É o que diz Braga, a respeito de sua empregada. Achou-se
pega por reumatismo. Depois, refez o diagnóstico, culpando uma corrente de ar
do apartamento dele por sua enfermidade. Corrente de ar é um perigo. Disse-lhe
que a última vez que se viu doente de cama fora há quinze anos, e tudo graças a
uma corrente de ar. O fato é que Braga
ficou sem sua empregada graças a uma corrente de ar. Corrente de ar é uma
tragédia.
Lá
embaixo a Marechal vazia. Nada de gente, nem de corrente de ar. Mas logo a
missa termina e as pessoas se achegam. Uma senhora, com mecha branca no cabelo,
caminha na calçada parecendo me observar. Noto que realmente me observa. “Oi”,
“Bom dia”, digo. Ela pode estar se perguntando: “O que faz um
homem na sacada a uma hora dessas?”.
“Pois
sou homem do dia, minha senhora! Questão de biorritmo. Pela manhã, tudo
funciona melhor. Acordo cedo. E se acordo para caminhar, ou ler, ainda melhor. Pois
somos parecidos. A única diferença é que a senhora, pela manhã, prefere Deus, e
sua casa; eu prefiro a minha casa, e o Braga”. Nem bem termino a frase e ela já
anda longe. Na certa, mais feliz que eu, por ter começado bem o dia, afinal,
domingo é o dia do Senhor.
Vejo
num quintal uma mãe tentando fazer o bebê dormir. Não dormiu no horário que
devia, ora, pois; atrapalhou a noite da casa. Ou trocou dia por noite; bebê tem
dessas coisas. Pais de primeira viagem se desesperam. Simples dor de barriga
transforma a casa num inferno. As experientes, como fez minha sogra quando João
era um bebê chorão, tratam de esquentar pano a ferro, colocar na barriguinha da
criança, e tudo bem. Se deixar por conta dos ingênuos pais, o bebê amanhece soltando
gases num pronto-socorro.
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