O TRISTE >> Carla Dias >>
Sim, ele é triste.
Ser triste é o que lhe confere o direito de ser pessoa, já que as outras pessoas não sabem reconhecê-lo de outra forma. É triste de tristeza sombria, das que levam sua vítima ao cúmulo da solidão.
Muitos querem entender como uma pessoa pode ser assim tão triste. Há quem passe horas a aconselhá-lo, que melhor seria se ele mudasse de ares, talvez de país. Quem sabe terapia, grupo de apoio, tarja preta, intervenção religiosa... Esportes? Teve até quem garantisse que isso era falta de intimidade e lhe oferecesse o décimo terceiro salário inteirinho para que ele, o triste, sofresse da alegria de se esparramar nos braços de uma mulher.
Aquele ser triste embrutecia o dia dos felizes de plantão, eles que nem conseguiam sorrir mediante a tristeza que possuía aquele ser. A tristeza dele se tornou tópico de todo o tipo de reunião, principalmente de condomínio.
Mediante o desejo pungente de consertá-lo, o triste até tentou e participou de uma série de eventos: churrascos aos sábados de amigos que ele não fez, almoços em família alheias aos domingos, sessões de carinhos na casa das meninas da Dona Lulu, shows de rock, funk carioca, sertanejo, stand up. Em todos os eventos, as pessoas o abraçavam e fotografavam. Criaram um perfil para ele em rede social que fez o maior sucesso. Mais de oitocentos desconhecidos se tornaram seus amigos.
Ainda assim, nada de felicidade.
Os felizes se tornaram mais carrancudos, tão incomodados que se sentiam por não conseguirem reverter aquele quadro. Tornou-se questão de honra fazer a felicidade do triste. A cada tentativa, um desapontamento.
Com o tempo, as pessoas foram desistindo de fazer o triste feliz. Revezavam-se nas visitas, mas em vez de palestrarem sobre as mil maneiras de arrancar dele a tristeza, sentavam-se ao lado dele, silentes.
O triste nunca compreendeu a necessidade gritante das pessoas de tentar lhe curar a tristeza. Na verdade, julga-se quieto, sem desejo por atos ousados, emoções explícitas. E mesmo sem nunca ter se sentido mal sendo quem é, foi visto como alguém quebrado, que, enquanto não fosse consertado, atrapalharia a existência dos outros.
Não, ele não é somente triste. Seu espírito se entusiasma, mas com coisas simples e cotidianas. Sua felicidade é silente, mas existe. As pessoas podem não reconhecer, por estarem acostumadas ao explícito, mas ele sente contentamento. Aventurou-se a explicar sua essência aos que tentavam ajudá-lo sem que isso fosse realmente necessário, mas eles não quiseram escutar. Continuaram a tentar moldá-lo, adaptá-lo, incluí-lo no que ele nunca desejou. Agora, sentam-se ao seu lado, tristes, infinitamente tristes, porque foram incapazes de compreender as nuances da sua felicidade.
Procurar a si no outro é diferente de conectar-se a ele.
Imagem: Visages © Hedda Sterne
carladias.com
Ser triste é o que lhe confere o direito de ser pessoa, já que as outras pessoas não sabem reconhecê-lo de outra forma. É triste de tristeza sombria, das que levam sua vítima ao cúmulo da solidão.
Muitos querem entender como uma pessoa pode ser assim tão triste. Há quem passe horas a aconselhá-lo, que melhor seria se ele mudasse de ares, talvez de país. Quem sabe terapia, grupo de apoio, tarja preta, intervenção religiosa... Esportes? Teve até quem garantisse que isso era falta de intimidade e lhe oferecesse o décimo terceiro salário inteirinho para que ele, o triste, sofresse da alegria de se esparramar nos braços de uma mulher.
Aquele ser triste embrutecia o dia dos felizes de plantão, eles que nem conseguiam sorrir mediante a tristeza que possuía aquele ser. A tristeza dele se tornou tópico de todo o tipo de reunião, principalmente de condomínio.
Mediante o desejo pungente de consertá-lo, o triste até tentou e participou de uma série de eventos: churrascos aos sábados de amigos que ele não fez, almoços em família alheias aos domingos, sessões de carinhos na casa das meninas da Dona Lulu, shows de rock, funk carioca, sertanejo, stand up. Em todos os eventos, as pessoas o abraçavam e fotografavam. Criaram um perfil para ele em rede social que fez o maior sucesso. Mais de oitocentos desconhecidos se tornaram seus amigos.
Ainda assim, nada de felicidade.
Os felizes se tornaram mais carrancudos, tão incomodados que se sentiam por não conseguirem reverter aquele quadro. Tornou-se questão de honra fazer a felicidade do triste. A cada tentativa, um desapontamento.
Com o tempo, as pessoas foram desistindo de fazer o triste feliz. Revezavam-se nas visitas, mas em vez de palestrarem sobre as mil maneiras de arrancar dele a tristeza, sentavam-se ao lado dele, silentes.
O triste nunca compreendeu a necessidade gritante das pessoas de tentar lhe curar a tristeza. Na verdade, julga-se quieto, sem desejo por atos ousados, emoções explícitas. E mesmo sem nunca ter se sentido mal sendo quem é, foi visto como alguém quebrado, que, enquanto não fosse consertado, atrapalharia a existência dos outros.
Não, ele não é somente triste. Seu espírito se entusiasma, mas com coisas simples e cotidianas. Sua felicidade é silente, mas existe. As pessoas podem não reconhecer, por estarem acostumadas ao explícito, mas ele sente contentamento. Aventurou-se a explicar sua essência aos que tentavam ajudá-lo sem que isso fosse realmente necessário, mas eles não quiseram escutar. Continuaram a tentar moldá-lo, adaptá-lo, incluí-lo no que ele nunca desejou. Agora, sentam-se ao seu lado, tristes, infinitamente tristes, porque foram incapazes de compreender as nuances da sua felicidade.
Procurar a si no outro é diferente de conectar-se a ele.
Imagem: Visages © Hedda Sterne
carladias.com
Comentários
Sergio... Que lindeza de citação. Descobri na prática que a gente pode tentar, mas dificilmente alcançaremos o nosso verdadeiro eu. Mas isso porque somos sim mutantes. A essência fica, mas nos lance uma frase dessa como a de Fernando Pessoa, e pronto, começamos a nos reescrever.
Zoraya... Agradecida :)