CANTIL >> Sergio Geia
Deixa eu lhe contar essa: o programa
era um churrasco com amigos, com direito a violão, pagode e piscina. Nada mais
ordinário nesse mundo de encher o bucho. Forrei a sacolinha de supermercado com
as cervejas que encontrei na geladeira, mas o que eu queria mesmo, amigo, era levar
minha cachaça que guardo aqui no cofre dos destilados, para poder, nos
intervalos entre uma malpassada picanha e outra, dar uma bicada no líquido
precioso.
A cachaça que tenho aqui, muito bem
armazenada por sinal, num espaço de minha sala que alcunhei de “cofre dos
destilados”, é de bálsamo, produzida num alambique esplêndido da cidade de
Guararema, e trazida até mim pelas mãos sagradas e embriagadas do Julio, grande
amigo cuja sogra mora lá, numa aprazível chácara nos arredores da estradinha
que vai dar em Mogi. Pra quem não sabe, Mogi e Guararema são unha e carne; como
Taubaté e Tremembé, Santana de Parnaíba e Barueri.
Tenho certeza que meus amigos cachaceiros
apreciariam a delicadeza do gesto, e assim, além de me proporcionar um grande prazer,
faria a alegria da moçada. Mas onde depositar o precioso líquido a fim de salvaguardá-lo
das impurezas do caminho, pra que pudesse chegar são e salvo aos braços da
galera? E aos beiços também? Não tinha o recipiente adequado e levar a garrafa
inteira seria no mínimo deselegante, sem contar a desagradável possibilidade de
eu voltar pra casa de bucho cheio mas de garrafa vazia.
Lembrei-me daquela garrafinha pequena
de uísque, quadrada e prateada, de aço inox, tão comum de se ver nos bolsos dos
pinguços da novela da Globo, que no escritório, num momento de fuga
profissional, escondidos na bolha imaginária do ambiente vazio, tiram do bolso
do sóbrio paletó e a levam até a boca, bebendo de forma tão prazerosa o bicho,
que nos faz pensar de onde vem substância tão estimulante, que Ricardo, meu
camarada de São José dos Campos, não se cansa de chamar de “líquido dos
deuses”.
Mas esqueça essa história, amigo. Já
foi. Para lhe matar a curiosidade, se é que ela brotou, informo que naquele dia
não tinha o cantil porta-bebida, e tratei de levar o garrafão mesmo, que nem
voltou pra casa, pois secou nas duas primeiras horas de festa.
Pois outro dia, caminhando no calçadão,
lembrei-me do ocorrido e tratei de procurar o tal cantil. Entre meandros e
corredores de lojas e armazéns, a grande dificuldade que encontrei foi me fazer
claro na informação do produto que desejava. Ou sou um péssimo comunicador, ou
essas atendentes jovenzinhas não entendem nada de cantil. Depois de muito
espiar, pois não queria incomodar e nem ser passado por bebum, eis que me via sempre
em apuros sendo obrigado a perguntar. De repente, a vendedora saberia o caminho
das pedras, ora bolas.
Que nada. Ela sequer atingia o nível de
sofisticação da minha solicitação. E isso não foi em apenas num lugar, mas em vários.
No entanto, já quase desistindo da empreitada, eis que me surge no caminho um
simpático varão; coreano. A loja tinha lá suas miudezas, e eu o procurei
imediatamente, já cansado de tanta desinformação. “Uma garrafinha de bolso pra
transportar cachaça, amigo”. Confesso que não entendi nada do seu português.
Mas nem precisou. Ele mais do que depressa se enveredou pelos corredores escuros
da loja e logo voltou trazendo o meu cantil.
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