O CONDEMÔNIO >> Albir José Inácio da Silva
Um professor de direito civil dizia
sempre que condomínio não dá certo porque já começa errado pelo nome. Deveria
se chamar condemônio.
Não acredito nisso. Deve haver
lugares em que as pessoas vivam em harmonia. Mas a história de hoje com certeza
não se passou num desses lugares.
- É a cota de condomínio mais
cara do bairro, e um prédio caindo aos pedaços! Só eu vejo isso? Aonde vai o
nosso dinheiro? – esbravejou Dona Francisca, engasgando o pobre síndico
reeleito, Dr. Cunha.
Ela interrompia a cada cinco
minutos. A reunião não andava. Dona Francisca parecia uma velhinha indefesa,
mas quando abria a boca não poupava ninguém. Há anos revoltava-se sozinha contra
os desmandos no edifício, os outros moradores pareciam anestesiados.
- Eu ainda vou descobrir o que
acontece aqui! – dizia, insinuante. Atenta,
ela circulava silenciosamente pelo condomínio, assustando quem eventualmente
estivesse em flagrância mesmo de alguma bobagem. Por isso as más línguas a
chamavam Dona Fuxica.
O presidente e síndico perdeu a paciência:
- Dona Francisca, eu posso
continuar? Estou aqui tentando explicar, mas a senhora não deixa. Ninguém gosta
de condomínio caro, eu também não gosto, mas é a inflação, produtos e serviços
estão um absurdo. Eu não posso fazer milagres.
Ninguém sabe como o Dr. Cunha
conseguia se eleger. Garagem escura, vazamentos, infiltrações, revestimento
caindo, lâmpadas queimadas nas escadas e elevadores parando a cada dois dias. Além
disso, compras eram feitas e não entregues, serviços pagos e não executados.
Dona Francisca dizia que ele
visitava apartamentos, não lançava multas, priorizava unidades e distribuía
brindes de fornecedores àqueles que o apoiavam. Resultado: contados os votos,
Dr. Cunha de novo.
Quando Dona Francisca ficou quieta
por dez minutos, o síndico finalmente conseguiu apresentar seu projeto em cinco
pontos para salvação do condomínio. Era um plano simples, mas genial:
1) Iniciar
as reuniões, doravante, com uma prece porque problemas condominiais que se
arrastam por anos só podem ser de natureza espiritual. E todos sabemos dos
pecados que essas nossas paredes escondem;
2) Aumentar
a cota de condomínio e instituir cota extra para melhorias que ainda vamos
planejar;
3) Aceitar
doações de fornecedores e prestadores para reformas e serviços, mediante exclusividade
nos contratos. A Vinícola São Joaquim, por exemplo, pretende doar uniformes
para nossos funcionários. As camisas teriam o nome do edifício e a logomarca
dos produtos de nossa coirmã;
4) Autorizar
a instalação de uma loja de conveniência no pátio, para conforto dos
condôminos, que seria construída e gerenciada por A.J.Santos & Cunha Materiais
e Serviços Ltda;
5) Retirar
ou impedir o acesso de quem estiver atrapalhando o bom andamento dos trabalhos
nas reuniões. Isso inclui quem ficar vendo pornografia no celular como tem
acontecido.
Uma voz débil foi ouvida no fundo
da sala, não ficava bem propaganda de bebida alcoólica na roupa dos
funcionários com tanta criança no prédio. Mas o Dr. Cunha tranquilizou:
- Não se preocupem, vinho é bebida
sagrada. Até Jesus bebia e multiplicava vinho.
Nada débil foi a voz de Dona Francisca
quando se levantou:
- Era o que faltava, uma birosca!
Uma loja de inconveniências, isso sim! Daqui a pouco vão vender maconha nesta pocilga!
Mas Dona Francisca não era só de
falar. Juntou pastas, livros, notas e contratos que estavam na mesa e, sob atônitos
olhares, saiu com seu passinho miúdo e decidido.
- Dona Francisca, a senhora não
pode fazer isso!
- Posso sim, eu sou conselheira!
No STF ficam um ano olhando um processo. Vou confrontar fornecedores e
contratantes, vou na polícia se preciso for.
A reunião foi adiada com o
presidente dizendo que assim ficava difícil fazer um bom trabalho.
O edifício acordou com o grito da
empregada. Dona Francisca estava suicidada de joelhos, enforcada na grade da
janela, a la Vladimir Herzog.
Uma moção de pesar foi consignada
na ata da reunião naquele dia. O que, aliás, não foi a única homenagem.
Dois meses depois, um sorridente
Dr. Cunha e a A.J.Santos & Cunha Materiais e Serviços Ltda inauguravam a
loja de conveniência, descerrando a placa de metal em que se lia: CONVENIÊNCIA
E LANCHES DONA FRANCISCA – sempre perto de você.
Comentários