MÃE E FILHO >> Sergio Geia
“Bacana ver vocês dois”. Ela me olha assustada.
“Esse carinho. Mãe e filho. É uma imagem bacana. Sacumé, né, dias de hoje, esse
mundo babaca de tão podre, uma imagem dessas faz bem. Olha, daria até uma crônica”.
Ela põe o menino no colo. Sorri pra mim. Ele pede para ir ao parquinho.
Fiquei pensando nisso um bom tempo. Uma
imagem que fez minha sexta-feira começar com o pé direito, rumo ao final de
semana. E foi isso que senti saboreando aquele sorriso no caminho do trabalho.
Até o dia despencar em mim como um Niágara de aporrinhação.
Primeiro a tevê, no quilo. O sujeito sendo
transportado pro Rio numa operação de guerra. Em Cascavel, pessoas presas num
hospital. No elevador, na fila do banco, ebola para todos os gostos. Todo mundo
preocupado, índices de mortalidade na ponta da língua, chances de cura, países
castigados, formas de transmissão. No dia seguinte se confirmou que não era ebola.
No mesmo dia vi o Ministro da Saúde dizer que o Brasil continua sendo um país
com pouco risco de contaminação.
E o pior é que a coisa começa a tomar
conta das nossas vidas. Vira assunto de botequim, quando a gente vê está
procurando notícia, querendo saber se o sujeito desceu ou não desceu em São
Paulo, se alguém tá fazendo alguma coisa, pesquisando, procurando uma forma de
deter essa praga antes que vire pandemia. Você volta do almoço e o segurança do
prédio não perdoa: “É o apocalipse, seu Sergio”.
Outro dia tava no face correndo a timeline quando me deparei com a cena de
um taxista transportando um passageiro. A câmera ali, instalada no táxi, talvez
para dar mais segurança ao motorista. O taxista, um senhor, um avô com certeza,
que precisava estar ali para aumentar a renda da família, cumpria sua obrigação
com dignidade. De repente, o rapaz saca uma arma e atira na nuca dele. Fiquei
chocado. Aquilo me embrulhou o estômago e serviu de input pra essas barbaridades todas que nutrem nossas almas todos os
dias, tipo sujeito no meio do deserto aguardando a cerimônia da morte.
Começo a pensar que a gente se alimenta
mal pra burro. E se enfartar depois, não pode estranhar. São carradas de placas
de gordura entupindo a vida. Ninguém quer saber de agrião com arroz integral.
Quer mesmo é uma picanha bem das mal-passadas. Aí viramos esses bestas
trogloditas que por qualquer fechadinha mequetrefe tão xingando até a décima
quinta geração do navalha. Vivemos num mundo besta e sem sentido.
Ele sobe no escorregador e sorri. Ela
faz que sim com a cabeça. Ele olha meio desconfiado, o sorriso se transmudando
em preocupação. Parece calcular a distância. Olha mais uma vez, depois se volta
pra ela, agora sem sorriso, clamando por alguma coisa que ele nem desconfia o
que é. Ela sente que ele precisa dela. Deixa o caderno no banco e se aproxima:
“Vai, filho! Desce! Você vai gostar!”. Mesmo com medo ele se arrisca e deixa o
corpo cair. Quando põe os pés no chão corre ao encontro dela. Os dois se
abraçam num abraço que derrama amor. Ele diz que quer ir de novo. E vai.
Fecho os olhos torcendo pro sono não
chegar, pra que eu possa saborear mais um pouquinho desse agrião com arroz
integral.
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