O CARA >> Sergio Geia
Taubaté.
Praça Santa Teresinha. Terça-feira. Sete e meia da manhã. Céu cinza. Ele
caminha em volta da praça falando ao celular. Eu atrás. No mesmo ritmo.
“Não!
Não é assim! Nós precisamos fazer uma reunião. Pra já! Mas se prepara, mermão!
Se prepara! Ele é esperto. E te passa o rodo. Não, Carlos, eu já disse isso pra
ti uma vez. Cê precisa conversar com a Celinha e com o Paulo antes. Expor os
parâmetros do projeto, mostrar as referências. Assim eles já vêm pra reunião na
nossa, sabendo da coisa toda. Isso...”.
Eu
não entendo alguém que se dispõe a cair da cama cedo, botar um abrigo roxo, fazer
uma caminhada matinal e ao mesmo tempo trabalhar.
“Você
viu como vendeu? Eu não falei? Eu sabia desde o início. Sabia. Os caras não têm
visão. Tava na cara que o negócio ia bombar. Cê viu? Eles queriam entrar no
mercado timidamente. Esse é o problema. Eles pensam pequeno. Tomam atitudes
muito conservadoras. Aí a empresa não sai do lugar. A gente precisa de arrojo.
Eu cheguei pro chefe e falei: ‘Não, Fernando, de jeito nenhum! A gente vai
entrar com tudo. Aumenta a produção! Vai por mim! Tem mercado. Tem mercado’. Ele
foi. Confiou em mim. E você viu no que deu...”
Já
eram três voltas, setecentos e cinquenta metros cada uma, pouco mais de dois
quilômetros, aproximadamente dezoito minutos, e o cara com o telefone no
ouvido.
“Eu
tô com umas ideias, mas não posso falar ainda. Olha: promete. O negócio é bacana.
Biscoito fino. Coisa de futuro. A gente precisa disso. Olhar pra frente,
entende? Eu sei que o pessoalzinho lá não vai gostar, vai achar que é loucura.
Mas o Fernando deixa comigo. Ele tem visão. Se fosse se ancorar naqueles manés
a empresa dele já tinha ido pro buraco”.
Eu
até pensei em dar uma forçada no ritmo e deixar o panguá pra trás. Mas aquele
papo todo tava ficando hilário. O cara era uma metralhadora giratória. Ô homem
pra falar!
“A
Carol. Sim, a Carol! Tô falando. Tá na minha, mermão. Por que eu inventaria? Sim,
parece que tem... Se o cara é babaca eu não posso fazer nada. Não, não, não foi
a primeira vez. Deixa de ser mané, Carlos! Sim, ela tem jeitão de modelo. É
meio siliconada. Cê já pegou uma siliconada? É meio esquisito. A temperatura é
diferente. E daí? Elas gostam. Tem que tratar bem. Quem? A Suzana? Cê tá
brincando? Porra, mermão, e aí? Nada? Ah, cê tá marcando...”
Pensei:
esse é o cara. Sabe tudo, o anjão! Uma sumidade. Taí a pessoa que tava faltando
pro mundo ser melhor. Será que ele não gostaria de governar o Brasil? A gente
tá tão sem opção... O Joaquim tá aposentando. Uma boquinha no Supremo não seria
de todo mau... Eu já tava até pensando num jeito de contratá-lo, aproveitar
de seu elevado conhecimento pra fazer chegar meu livro na Capital.
“Mermão,
tenho que desligar. Não, não... Sabe onde estou? Em Sampa. No Ibirapuera. Sim,
no Parque do Ibirapuera. Ah, uma caminhadinha, aproveitando a manhã de sol!”.
Olhei
assustado pro céu: cinza. Pra fachada do Santuário. Pro cruzamento da JK com a
Pena Ramos. Pra mim. Pra ele. Calma. Está tudo bem, pensei. Ou quase tudo.
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