A SOMBRA DA ASSOMBRAÇÃO >> Whisner Fraga
Nem sei se avisavam sobre a classificação indicativa, mas no início dos anos oitenta, eu e meu pai chegamos à conclusão de que eu não deveria ter visto o Fantástico daquele domingo. Não tínhamos o hábito de assistir aos comerciais, de modo que nos sentamos para ver o programa sem a mínima ideia do que inventariam para nos divertir. A certa altura entra a voz obscura de Cid Moreira para narrar a história de um fantasma que assombrava uma loja de brinquedos, nos Estados Unidos.
O dito-cujo, morto há sabe-se lá quantas décadas, deu de aparecer em fotos infantis, tiradas em uma loja de brinquedos. Entrou uma parapsicóloga para dar um tom científico ao acontecimento e eu comecei a ficar cabreiro. Cid inventa uma entonação um pouco mais macabra e a minha noite começa a degringolar. Dali a pouco eu já não aguento e choro. Meu pai olha para um lado e para outro e parece que o interesse dele pelo assunto é grande o bastante para que ele não mude de canal.
Sei que meus irmãos e minha mãe não estavam em casa, o que era um pouco estranho, já que o único que dirigia era meu pai, isto é: para onde eles iriam a pé, os quatro? Mas vou dar um crédito à minha memória e apostar que foi isso mesmo que ocorreu. O pior é que não entendo por que não fechei os olhos, por que não tampei os ouvidos e tentei esquecer o assunto. Acho que a curiosidade infantil falou mais alto e fui que fui.
Dificilmente conseguiria dormir se continuasse naquela toada e meu pai sacou. O prejuízo seria dele, evidente. Assim, intervalo no show da vida e ele me chamou para irmos à sorveteria, o que significava, evidentemente, uma breve volta pelo centro da cidade. Em casa, tentei esbarrar com algo de chocolate no meio do creme gelado, mas tudo que enxergava me parecia com a assombração na foto da loja de brinquedos.
Apelei para o diálogo: Pai, é verdade que fantasma existe? Ele desconversou, com sólidos argumentos: que bobagem, meu filho, é só um programa de televisão! Sei que com uma explicação dessas eu deveria me acalmar, mas o efeito foi o contrário. Engraçado como alguns traumas se mantêm nítidos em nossa memória, pois me recordo dessa conversa como se tivesse acontecido hoje.
Então, me peguei a pensar sobre a imagem desfocada da foto na loja de brinquedos, sobre o porquê de nenhuma aparição surgir claramente para nós, digamos assim, ao meio-dia para um papo cara a cara. Seria tão mais fácil se um espírito se mostrasse plenamente, sem borrões, sem manchas, sem subterfúgios, com a nitidez necessária para uma prova definitiva. Assim, comecei a desconfiar do fato, do Cid Moreira, do fotógrafo americano, dos programas de televisão e da parapsicóloga. Decidi que estavam todos chutando e que tinham dúvidas tão atrozes e profundas quanto as minhas a respeito do que não podiam provar. Munido desse raciocínio, consegui dormir tranquilamente naquela noite.
O dito-cujo, morto há sabe-se lá quantas décadas, deu de aparecer em fotos infantis, tiradas em uma loja de brinquedos. Entrou uma parapsicóloga para dar um tom científico ao acontecimento e eu comecei a ficar cabreiro. Cid inventa uma entonação um pouco mais macabra e a minha noite começa a degringolar. Dali a pouco eu já não aguento e choro. Meu pai olha para um lado e para outro e parece que o interesse dele pelo assunto é grande o bastante para que ele não mude de canal.
Sei que meus irmãos e minha mãe não estavam em casa, o que era um pouco estranho, já que o único que dirigia era meu pai, isto é: para onde eles iriam a pé, os quatro? Mas vou dar um crédito à minha memória e apostar que foi isso mesmo que ocorreu. O pior é que não entendo por que não fechei os olhos, por que não tampei os ouvidos e tentei esquecer o assunto. Acho que a curiosidade infantil falou mais alto e fui que fui.
Dificilmente conseguiria dormir se continuasse naquela toada e meu pai sacou. O prejuízo seria dele, evidente. Assim, intervalo no show da vida e ele me chamou para irmos à sorveteria, o que significava, evidentemente, uma breve volta pelo centro da cidade. Em casa, tentei esbarrar com algo de chocolate no meio do creme gelado, mas tudo que enxergava me parecia com a assombração na foto da loja de brinquedos.
Apelei para o diálogo: Pai, é verdade que fantasma existe? Ele desconversou, com sólidos argumentos: que bobagem, meu filho, é só um programa de televisão! Sei que com uma explicação dessas eu deveria me acalmar, mas o efeito foi o contrário. Engraçado como alguns traumas se mantêm nítidos em nossa memória, pois me recordo dessa conversa como se tivesse acontecido hoje.
Então, me peguei a pensar sobre a imagem desfocada da foto na loja de brinquedos, sobre o porquê de nenhuma aparição surgir claramente para nós, digamos assim, ao meio-dia para um papo cara a cara. Seria tão mais fácil se um espírito se mostrasse plenamente, sem borrões, sem manchas, sem subterfúgios, com a nitidez necessária para uma prova definitiva. Assim, comecei a desconfiar do fato, do Cid Moreira, do fotógrafo americano, dos programas de televisão e da parapsicóloga. Decidi que estavam todos chutando e que tinham dúvidas tão atrozes e profundas quanto as minhas a respeito do que não podiam provar. Munido desse raciocínio, consegui dormir tranquilamente naquela noite.
Comentários
Ou já naquela época sua mente cartesiana de engenheiro te salvou, rsrs