CRIME PERFEITO >> Zoraya Cesar
Sou muito bom no que faço, admito sem falsa modéstia, pois não gosto de hipocrisia. Sou bom. Pronto.
Há poucos como eu por aí, reconhecidos, admirados, invejados. Confesso que isso mexe com meu ego, mas, e daí? Integrar uma força especial do Departamento de Homicídios e ser um dos mais eficientes policiais em campo não é para qualquer um. E eu gosto muito do que faço - o jogo de inteligência entre mim e os assassinos me excita. Saibam que, para cada crime perfeito, existe um policial perfeito, que descobre a rachadura no muro de concreto aparentemente intransponível que nos separa da verdade.
Muita coisa pode ser observada nas vizinhanças de um crime. Rotas de fuga, câmeras de segurança, velhinhas fofoqueiras, o pipoqueiro da esquina. Assim aprendi com um dos melhores investigadores, e nunca falhou.
Ele também me ensinou a subir sempre de escada, não importava quantos andares acima - o exercício clareava a mente e tornava o raciocínio mais rápido. Corre uma lenda no departamento que esse meu professor desvendou um caso após ter encontrado um chiclete nos degraus que levavam à cena do crime.
Dessa vez, porém, não fiz nada disso. Entrei direto no prédio, peguei o elevador e cheguei ao apartamento onde encontraram o corpo.
Que estava, claro, exatamente lá, onde eu o deixara pela manhã.
O cenário que eu planejara e montara tão meticulosamente para que parecesse suicídio estava um primor, modéstia a parte. Eu sabia que seria o investigador responsável, e ninguém ousaria contestar um laudo assinado por mim. Sentia-me plenamente seguro, pois nem a imaginação mais fértil conceberia que eu matara um colega para receber uma homenagem em seu lugar.
Como eu, Claudio Romano era um dos melhores policiais do país - trabalhamos nas sombras, nem os jornais nem o grande público nos conhecem. Ao contrário de mim, no entanto, não era vaidoso nem fazia questão de homenagens. E ainda assim a Corporação votou nele para receber uma importante comenda, deixando-me em segundo lugar. Mas onde a vida não é justa, a gente dá um jeito de fazer justiça. Foi o que fiz.
Na verdade, eu lhe fizera um grande favor, salvando sua Alma. Ele era tão depressivo que mais dia menos dia acabaria por se matar. Não dizem que os suicidas ficam num limbo e nem em solo sagrado podem ser enterrados?
Apenas um homem poderia encontrar a rachadura no muro de concreto, e esse, conforme investiguei cuidadosamente, estaria fora do país, ministrando um curso de nome estranho para um leigo, mas que faz todo o sentido para nós: “Conversando com o Cadáver”.
Por isso fiquei, pela primeira vez em minha vida, totalmente aparvalhado e sem ação. O que meu professor, o grande Felipe Espada, estava fazendo no apartamento?
- Trocaram a data do curso para que eu pudesse participar de um workshop na Rússia – respondeu ele daquela maneira simples, que enganava os desavisados – Aproveitei para ficar por aqui mais uns dias e acabou que o delegado me chamou para dar uma olhada, sabendo que Claudio foi meu aluno.
Sim, pensei com raiva. Romano fora um de seus alunos preferidos, embora não chegasse a meus pés, por melhor que fosse, mesmo tendo sido o escolhido para ganhar o prêmio que eu tanto queria. No entanto, mantive o controle - Felipe Espada era um intuitivo, não podia me dar ao luxo de transparecer nervosismo.
Ele continuou a xeretar pelo apartamento por mais meia hora e foi embora, dizendo-se cansado e que aguardaria meu laudo.
Depois que ele saiu, fui ao banheiro vomitar. Amava aquele investigador desgraçado que me ensinara praticamente tudo o que sei, e que poderia desvendar meu plano tão bem urdido. Mas eu faria um relatório perfeito, impecável. O aluno superaria o mestre.
(Felipe Espada leu e releu o relatório de seu ex-aluno e continuou sem entender como um policial tão experiente deixara passar tantas pequenas e sutis evidências de que algo estava muito errado com aquela morte. Por exemplo, não havia qualquer menção ao fato de o pescoço de Claudio Romano estar virado de uma maneira quase anti-anatômica; nem ao suave cheiro de clorofórmio que havia no quarto.
Ele não conversou com o cadáver, nem atentou aos detalhes, como eu ensinei, pensou.
O veterano investigador conhecia cada policial a quem ensinara, e também os meandros escuros da Alma humana, o poder devastador que a vaidade exerce sobre determinados caracteres.
Teve um pressentimento horrível, e tomou uma decisão: iria contestar o relatório e assumir o caso.)
Comentários
não, não... claro que não... Felipe Espada não poderia estar em outro lugar, senão ao lado da lei!
é isso aí, Felipe, coloca o CSI no chinelo! Te amo!
Será ?Será? rsrsrs
Sonia F.
E vai desvendar o que a vaidade e a inveja podem fazer...
Amando e esperando ansiosamente 'cenas dos próximos capítulos' rsrsrsrs
Sempre que leio suas crônicas, lembro-me de seriados policiais, que tanto adoro.
Já falei e falo de novo: vc precisa ser descoberta pela Globo!!!! Hollywood é o limite rsrsrsr. Bjks da Cris Maria!