EXÍLIO >> Carla Dias

Imagem © Vito Campanella

Amanheci naquele lugar e não havia quem. Não havia pessoa para me entregar serventia. Naveguei por mares sumidos. Ainda penso neles como movimento, pele das ocasiões, suor da existência. Penso neles como penso nas pessoas que não conheci, mas se tornaram minhas companheiras de exílio. Escuto o que algumas têm a dizer, escolho outras para ignorar, o controle remoto servindo de guia.

Os sons me fazem companhia. Não raro, o do vento se arrebenta nas costas das paredes das casas abandonadas. Há dias em que parece canção desprendida da dor de alguém, chego até a chorar, compadecida. É diferente de quando lamento minhas próprias dores, elas que latejam sem pausa, justo quando a pausa é a necessidade que me hostiliza, por eu não ter como atendê-la. Não à toa, elas me fazem escolher o pior abrigo: um desejo irrealizável, de martirizar o possível na condição de insuficiente. Não é assim pagar pecado? E eu pago os meus à vista, que nunca fui de fazer de conta, vou logo me debatendo nos erros, que são sempre tantos, de inibir acertos.

Ninguém me contou que seria assim: um remoer, despistar, enraivecer, então enlouquecer de desejar algo melhor, até compreender que o melhor é o incerto de boca arreganhada, com pedaços de chances empalados em seus dentes. Nem deuses, tampouco demônios me catequizaram, não souberam me indicar o caminho, que descobri, sem querer, não serve aos que, feito eu, são incapazes de desencadear esperanças.

Lembro de me deliciar com uma, certa feita. Era uma esperança extravagante, propagadora de fascínios. Existe na sua maciez por algum durante que não sei precisar. Ela me fez acreditar no que não acreditaria sem questionar, e, quase sempre, isso vem com um preço que não sei pagar sem espernear. Então, submeto-me ao infortúnio, porque, com ter a alma açoitada, eu sei lidar. 

Sobre o caminho, a direção que me falta também me serve de busca. Saio por aí, os pés tocando chãos onde existiram mares, com a nostalgia de quem quer adivinhar o sentir o desconhecido. Onde, assim feito eu, nada mais é o que já foi um dia.

Imagem © Vito Campanella

carladias.com


Comentários

Nadia Coldebella disse…
Acho as vezes seus textos extremamente difíceis. Fico ansiosa. As palavras ficam remexendo, o jeito que vc constrói as frases é pura provocação e eu preciso ler de novo e de novo até capturar completamente o sentido do que está sendo dito. E quando acho que acomodei algo, começa tudo de novo e as palavras ficam remexendo, remexendo...

Nesse, em específico, esperança e solidão se misturaram, uma como a companhia do caminho e outra como o engodo nele. Talvez essa coisa do "qual é o meu caminho" é que está me deixando confusa, se bem que as vezes a questão se reduz ao tipo de passo que devo dar. Me conta: não existe essa coisa do " meu caminho", né? É só uma esperança-engodo, né?

Sigo a semana pensando, aguardando mais textos-terapia...

Gde bjo!
Carla Dias disse…
Nádia, conheci uma pessoa extremamente alto astral, das que sempre fizeram outras pessoas se sentirem bem sendo e melhorando quem eram. Eu o acho fantástico, que ele muda, na prática, a vida de muitas pessoas que não saberiam escolher um caminho sem o que ele tem a ensinar. Um dia, perguntei como ele conseguia, e ele me disse algo que nunca esquecerei: escolho ser assim todos os dias.

Eu acredito nos caminho, e também que nos desviamos dele com frequência. E mais, que ele pode mudar e nos mudar. O caminho, pra mim, é aquele que, apesar de toda dificuldade, aceita que meus pés andem sobre ele.
Nadia Coldebella disse…
Pois é, são questões com as quais a gente se debate na casa dos 40. Tem aquela dúvida sobre ter andado na direção certa. Uma pena a vida não ter gabarito e nem modelo nessas horas. Acho que as vezes não é só saber se o caminho aceitam meus pés,as saber se meus pés aceitam o caminho...

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