SIMPLICIDADE >> Carla Dias >>


Ontem assisti a um daqueles filmes que tanto aprecio. Um filme sobre personagens, com certa leveza e a melancolia que cabe na biografia de qualquer um ao enfrentar dilemas, inseguranças, frustrações e até mesmo alegrias.

Esse filme me levou a pensar na simplicidade com mais simplicidade. É que, em algum momento, até ela, a simplicidade, torna-se complexa. É feito o tempo, algo que é nosso e do qual sentimos falta, o tempo todo. Ele nos faz redundantes no dizer, mas não na questão. Falta-nos tempo para sentir o tempo, porque estamos sempre na correria, lidando com mil coisas e tantas urgências. Não importa que boa parte disso vá nos levar a lugar nenhum, nem mesmo que a nossa energia desfaleça nessa jornada de buscas, continuamos a preencher o tempo com a falta que ele nos faz.

O filme me fez lembrar da simplicidade de ser. Por exemplo, relembrei quando peguei no colo, pela primeira vez, cada um dos meus sobrinhos. Do abraço da minha mãe, no dia em que mudei de casa. A primeira vez que escutei aquela canção. Lembrei-me das gargalhadas das minhas primas e irmãs, durante uma conversa regada a café. E dos amigos... do que admiro em cada um deles, aquele aspecto que me faz ser grata por tê-los em tão grato sentimento, porque amizade é laço de construção; é compreensão e muitas, mas muitas discussões.

Então, que me deu uma saudade imensa da simplicidade. Pensei sobre há quanto tempo não coloco os pés na água de um rio, não vejo o pôr do sol, não tomo banho de chuva ou vou ao cinema. A lista foi crescendo e me peguei comentando comigo mesma: não é tão simples assim.

Porque não é tão simples assim.

Isso não quer dizer que a simplicidade esteja fora do catálogo da minha vida. Alguns hábitos me remetem a ela. Chego mesmo a considerá-los privilégios, de tão raros que são, porque demandam tempo e uma mente disponível para essa viagem. O observar – pessoas e paisagens. Escutar – músicas e vozes. Ler – livros dos amigos e dos que despertam minha curiosidade. Aprender – idiomas e biografias.

A cada dia, deslumbro-me mais ainda com o desalinhado. A estabilidade no caos, a intranquilidade no definido, a proximidade na distância. A cada dia, a vida me ensina um pouco mais sobre a simplicidade que há nesse emaranhado de complicações que abraçamos, diariamente. Na verdade, as viagens que fazemos pela biografia dos nossos afetos, ela é uma busca pela simplicidade do sentimento que temos por eles, apesar de tudo que se opõe a tal afeição.

Não panfleto que sou a simplicidade em vida, porque seria uma boa de uma mentira. Porém, nunca negarei meu apreço por ela, nem mesmo que acredito que ela seja uma daquelas pausas de nós mesmos, elas tão necessárias.

Eu sou assim... um bom filme me faz pensar na vida, leva-me ao questionamento. Gosto de ser assim, porque inflexibilidade só faz enrijecer o espírito, e eu prefiro o meu livre.

Imagem: Neighborhood of a Bare Mountain © Ryu Kyung-chai

carladias.com

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