NA PADARIA >> Sergio Geia
Ubatuba
Esquina da
Hans Staden com a dr. Esteves da Silva
Integrále
Degustando
meio papaia, doce e gelado, as conversas animadas de mais um domingo de sol vão
chegando aos pedaços e sendo processadas dentro de mim. Sei que você pensa: “que
bisbilhoteiro!”, mas não sou. Elas simplesmente chegam, e eu as recebo de bom
grado. Pra lhe ser mais exato, poucas delas chegam completas, me permitindo
identificar o encadeamento e o sentido. Da maioria mesmo, o que me chega são
retalhos de conversas, nem por isso desinteressantes.
Uma mulher:
“Ele não para!”
Um homem:
“Quem não para?”
A mulher:
“Você!” Ela completa: “Ele chegou de viagem e subiu dezessete andares pela
escada. Eu falo pra ele sossegar, mas não adianta. Já falei que nessa idade é
preciso ter cuidado. Ele é hiperativo”.
Minha
vontade é dar uma espiada, encarar o casal, mas resisto.
O homem:
“Aquele muro, ao lado da Dutra, é você quem está fazendo?”
Outro homem
entra na conversa: “O muro? Sim! Eu falei pro cara pensar na ideia de umas
lojinhas. Tô fazendo o projeto, não me custa nada. Agora ele não tem capital,
mas deixa o projeto guardado, lá na frente ele faz. Às vezes eu faço isso, dou
um toque ao cliente, alimento sonhos”.
Sinto que o
arquiteto e o casal se levantam e seguem na direção do caixa.
Continuo no
meu papaia, doce e já não tão gelado, as conversas familiares de mais um
domingo ensolarado e preguiçoso chegando aos pedaços no ouvido.
Uma mulher:
“Olha o gatinho dormindo na cadeira!”
Uma criança:
“Eu quero ir, pai! Deixa eu ir!”
O pai: “Não,
agora não. Depois. Agora vamos tomar o café.”
A criança:
“Eu não quero!”
E
estrebucha.
A mulher
(agora eu dou uma espiada: é uma idosa que deve ser a mãe de um e a sogra de
outro), diz pro homem: “Chá de hortelã.”
A moça diz
pro garçom: “Dois pães com manteiga, um achocolatado quente...”
A criança:
“Eu quero Coca-cola!”
A mãe
responde: “Coca-cola agora não! Você vai tomar chocolate quente.”
E prossegue:
“Suco de laranja com goiaba, dois cappuccinos pequenos, dois papaias, uma
porção de requeijão, e chá de hortelã para a dona Margarida.”
A sogra, eu
penso.
Meu papaia no
fim, me chega um retalho de conversa amorosa de um jovem casal, duas laranjas
verdes.
A menina:
“Eu adoro damasco.”
O menino:
“Eu adoro você.”
A menina:
“Mentiroso.”
Já quase me
levantando pra acertar a conta e correr ao supermercado — preciso comprar o
macarrão, a carne moída, o queijo ralado e o molho de tomate pra noite —, um
último naco de conversa me invade os ouvidos.
A voz é de
uma mulher.
Ela: “Mas
que tanto você fica aí nesse celular?”
Ele: “Tô
postando! Espera.”
Ela:
“Postando o quê?”
Ele: “Espera
um pouco”.
Olho de
lado, e agora vejo que ele mostra o celular pra ela.
Ela: “Isso?”
Ele: “Por
quê? Você não concorda?”
Ela: “Deixa
eu pensar”.
Depois lê, em
voz alta: “#Fora Temer, #Fora Lula, #Fora Alckmin, #Fora FHC, #Fora Maia, #Fora
Cabral, #Fora todos, pois não me representam. #Diretas já!”
Ele: “O que
você achou?”
Ela: “Meu
Deus! Numa manhã linda dessas e você pensando em política? Deixa disso,
querido!”
Ele, desenxabido,
não responde.
No colo de
uma mãe, vejo um bebê dormindo, alheio a política, amores e projetos de
construção.
Levanto e
saio, tentando manter na mente a imagem doce do bebê.
Ilustração: http://padariaintegrale.com.br
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