MELANCOLIA >> Carla Dias >>
É que eu não entendo direito. Tento, mas o essencial me escapa. Talvez eu seja – ou esteja – muito distraída para compreender o linguajar que tenta enredar o outro, a fim de minimizar suas tragédias, humilhar suas buscas, distorcer seus direitos. Talvez seja mesmo do signo, e eu desembeste a dizer bobagens. E não quero ser mais uma a dizer bobagens que ofendam, em vez de trazer para a discussão algo que valha a pena ser compartilhado. Não quero verbalizar a ignorância. Não quero propagá-la.
Posso falar sobre delícias. Mas não o farei usando personagens que adoro inventar, porque, hoje, nenhum deles veio me visitar. Estou eu mesma, então que as delícias têm de ser minhas.
Café. A maior delícia de todas. Começar a escrever um livro assim, colado naquele último que adorei escrever. Folhear catálogo de lojas de material de construção e afins. Essas lojas são para mim o que as de roupas e sapatos são para alguns.
Tem o que engasga, também. Feito aquelas mensagens pedindo para assinar petições, que trazem todo tipo de problema que você até tenta, mas não tem o poder de resolver. A impotência me estressa, enverga mesmo. Coloca-me de cara com a vontade de chorar feito criança. Queria poder dizer aos que me mandam tais petições que sinto muito por eles terem de passa por isso. Sinto por seus filhos não resistirem a um sistema que se debruça somente em estatísticas; que lida com a urgência como se ela pudesse prolongar seus prazos e adiar seus desejos.
Sinto mesmo.
Uma pena que eu não entenda direito. Isso não significa que não esteja escutando, observando, tentando mesmo compreender esse imbróglio. Clareza me remete ao justo. Será que é uma percepção equivocada a minha?
Ainda sobre delícias: cultivar aquele afeto que dará em nada, que você sabe que vive da invencionice, mas que ajudou aí na criação de uns poemas daquele livro nascido há pouco. Melhor manter o afeto respirando.
Na falta de conhecimento para me posicionar; de energia para tentar compreender, finalizo essa crônica destrambelhada com um poema de amor que nunca será.
É o que posso oferecer nesse hoje.
Imagem: Melancholy © Jan Zrzavý
carladias.com
Comentários
Enio.
Vejo em sua crônica o contrário daquilo proclamado por você, os temas abordados calaram de uma forma contusa e marcante, como em todas crônicas suas, naquilo por você relacionado.
Parabéns, continue nos brindando com seus trabalhos.
José Olavo
Zoraya, tem obscenidades que são mesmo delícias. Quem agradece sou eu, pela leitura, pela constante gentileza com meus escritos.
José Olavo, obrigada, de coração. Seja sempre bem-vindo a esse universo que sigo construindo com palavras.
Albir, trata-se, então, de escambo: meu afeto respira em mim, ajuda a respirar em vocês, o que ajuda a continuar respirando em mim.