E AGORA, JOSEFA? >> Albir José Inácio da Silva
- E agora, Josefa? – perguntou
Padre Antônio, sempre fã de Drummond.
Amor e ódio. É assim que se
alternaram sempre os sentimentos de Josefa pelo seu país. Não lhe faltava
patriotismo, mas sobrava paixão.
Às vésperas da redentora marchou
com Deus e a família pela liberdade e comemorou a prisão e o expurgo dos
terroristas. Sonhou com masmorras, paus-de-arara e suicídios que eliminassem o
mal da pátria amada.
Comemorou o tricampeonato - eu te amo meu Brasil! Festejou o milagre
econômico, impaciente com quem dizia que a bênção não chegava para todos – era
preciso esperar o bolo crescer para então dividir. Vibrou com o massacre do Araguaia. Idolatrou
Ustra, Amílcar Lobo e Fleury. Defendeu o pacote de abril que fechava o
Congresso ainda cheio de comunas travestidos de democratas.
Desesperou-se com a abertura política
e a volta dos banidos - então não sabem que essa gente não tem cura?
Foi assim a década de oitenta,
pouca gente lúcida, como Josefa, alertava para o perigo vermelho. Foram
toleradas reuniões com toda espécie de gente. Mulheres, negros, índios, gays,
lésbicas, macumbeiros, nordestinos, todos se achavam no direito de influir na
nova armadilha para o país que se chamava carta magna.
Não deu outra coisa. Aquela constituição
trazia direitos humanos para os bandidos e a possibilidade de os comunistas
tomarem o poder. Ainda demorou algum tempo, alguma resistência, mas aconteceu. Primeira
providência deles? Inauguraram a corrupção neste país de probos líderes e elite
respeitosa com a coisa pública.
Segunda providência, instituíram
a distribuição de peixes sem ensinar a pescar. Com a ajuda do comunismo
internacional, conseguiram premiar, e exaltar na imprensa de todo o mundo, a humilhação de bolsas-esmolas,
médicos cubanos e universitários sem mérito e sem vestibular. E deram de graça a
luz e a água, os remédios e todas as mercadorias que poderiam alavancar o
capitalismo patriota.
- Não foi por falta de aviso! –
esbravejava a incansável Josefa.
Mas ela não se deixou abater.
Mais uma vez o amor à pátria falou mais alto. De novo as ruas, as bandeiras, o
hino nacional. De novo perfilou-se para as tropas, agora com uma novidade: uniforme da CBF - instituição íntegra que honra
o futebol brasileiro. E Josefa não estava sozinha – eram milhões de cidadãos do
bem.
Como em 64, a vitória foi rápida
e sem derramamento de sangue. Era a segunda vez que Josefa ajudava a salvar o
país! Merecia uma estátua na Praça dos três Poderes – e a teria se o reconhecimento
fizesse parte da cultura brasileira.
Mas as desgraças nunca separam os
bons dos maus na hora do castigo. A herança comunista exigiu providências
amargas dos vitoriosos para sanear a economia que sustentava vagabundos e
incentivava a preguiça. Os novos
governantes prescreveram trabalho, paciência e orações para a travessia do
deserto que se avizinhava. E Josefa orou todos os dias.
Mas isso não impediu que seu
marido, funcionário estadual, sofresse infarto fulminante depois de devolver o
carro e o apartamento, cujo aluguel já não conseguia pagar. Josefa foi morar
com a irmã na Baixada Fluminense, na mesma casa em que viveu com a mãe quando
era pobre.
Josefa tentava ainda defender o
governo, embora a voz saísse cada vez mais baixa. Até que a reforma da
previdência cortou pela metade a pensão
das viúvas.
E nada está tão ruim que não
possa piorar, descobriu Josefa quando o governo estadual parou de pagar
pensionistas e inativos.
Desgraça pouca é bobagem, pensou
ela ao ver o filho chegando da Alemanha depois que acabou o Ciência Sem
Fronteiras. O garoto passa as tardes fumando maconha e sente muita fome, o que
agora é um problema.
A última que chegou foi a filha.
Bem empregada em São Paulo, foi dispensada com a terceirização, mas fica
aguardando recontratação – ótima funcionária que é - quando a firma precisar.
Casa cheia. Água, luz e comida
pra pagar. Mas Josefa é mulher guerreira. Vai sair dessa. Por enquanto a irmã
sugeriu Padre Antônio, que tem lá umas cestas-básicas para os necessitados.
Josefa sobressaltou-se com a palavra “necessitados”, mas não estava em
condições de sobressaltar-se.
Não gostava daquele padre. Desde
a juventude achava que ele tinha inclinações comunistas e misturava a caridade
de Cristo com a igualdade vermelha. Entretanto, não era momento para
ideologias.
Resumiu sua história tentando
adivinhar o que dizia o rosto impenetrável à sua frente. O sacerdote saiu e
voltou com a caixa de papelão. Josefa ainda falou da crise, mas estava
desconfiada do silêncio do padre. Até que ele falou:
- A soberba precede à ruína; e o
orgulho à queda. Mais vale ser modesto com os humildes que repartir o despojo
com os soberbos. Provérbios, capítulo 16, versículos 18 e 19.
Josefa tinha certeza de que não
estava gostando, mas ainda não sabia de quê. Ele só citou a Bíblia! E o padre prosseguiu,
agora com Drummond:
-E agora, Josefa?
Josefa abraçou a caixa e foi
saindo da sacristia, preferia não responder. De repente identificou claramente
o tom do cura bolivariano – um misto de ironia e satisfação. Já na porta, não
se conteve:
- Agora, Seu Padre? Agora o
senhor vai pra puta que o pariu!
Comentários