AMOR E MORTE EM FAMÍLIA - 2a e última parte >> Zoraya Cesar
Resumo: Manipuladora das mais competentes, Felícia destruía tudo à sua volta. Instaurava a discórdia e a desconfiança de tal forma que ninguém percebia ser ela a fonte das intrigas. Pouco a pouco, e diligentemente, minha família estava sendo desestruturada por aquela calamidade chamada Felícia. E só eu via o que estava acontecendo. Resolvi tomar uma atitude, antes que fosse tarde. Uma atitude definitiva.
Caí de amores pelo meu cunhado, Toni Illuso, irmão de meu marido, assim que o vi. Resolvi casar com Taviano por dois motivos: para pertencer a uma família (eu era sozinha no mundo) e para ficar perto de Toni.
Pertencer a uma família era o que eu mais queria na vida. Faria qualquer coisa por eles. Faria qualquer coisa por Toni.
Sou por demais tímida e reservada. Com isso, apesar de me tratarem carinhosamente, os familiares não prestavam muita atenção em mim. Nunca me importei, sempre há vantagens em se passar despercebido.
Estava satisfeita com o quinhão de afeto que recebia dos Illuso, e ver Toni nos almoços de domingo me bastava. Toni, Toni... não digo que, à noite, não me revirasse por ele, sôfrega de desejos picantes e pecaminosos -, mas eu o amava verdadeiramente e queria que fosse feliz. Quando Felícia chegou, arrombando a porta, sofri muito. Percebi, de cara, que aquela mulher era uma emissária do Demo, enviada para destruir tudo o que eu mais amava: os Illuso e Toni.
Perfídia rima com Felícia e não deve ser coincidência. Ter rosto de boneca e grandes e inocentes olhos azuis só aumentava sua credibilidade. Imagina se eu, baixa, rechonchuda e míope, expusesse seus ardis? Acusar-me-iam de invejosa e ciumenta.
Como não invejar uma mulher que se equilibra
em finos saltos de uma sandália vermelha?
E que tinha todos os homens debaixo de seus pés?
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O jogo de manipulação de Felícia era sofisticado. Falava a palavra certa no momento perfeito, inflava egos, instilava veneno nos ouvidos de um, lançava areia nos olhos de outro, despertava mal-quereres e desavenças. E saía como se nada tivesse a ver com aquilo tudo. Iago era um aprendiz perto dela.
Talvez Felícia só tenha conseguido seus intentos porque, no fundo, os irmãos eram ingênuos e nem tão unidos assim; ou, quem sabe, guardassem sentimentos sórdidos no coração. Pode ser. Mas nunca subestime o poder devastador de uma intriga bem feita, uma insídia, uma fofoca bem engendrada.
Meu mundo estava sendo destruído por aquela belzebenta. A coisa piorou quando ela começou a se insinuar para Taviano.
E eu sabia que, se eles transassem, perderia meu marido. Minha família. Minha casa, meu sustento e também o Toni, a quem, provavelmente, nunca mais veria. O homem que cai nas garras de uma Felícia nunca sai por vontade própria.
Ser feiosa tem suas vantagens. Felícia nunca viu em mim uma antagonista a ser destruída. Confundia minha timidez com idiotia. Do alto de suas sandálias vermelhas, desfilando sua sensualidade e seu jeitinho de boneca desassistida, ela me olhava com desprezo mal disfarçado. Achou que eu não seria páreo para ela, e que só me daria conta do que estava acontecendo quando minhas malas fossem jogadas no meio da rua. Víbora!
Não podia confrontá-la abertamente – ou aquelas sandálias de salto alto me esmagariam como a uma lesma. Só havia uma saída. Não uma saída honrosa, mas a saída possível. E no amor e na guerra... bem, vocês sabem.
Foi fácil. Tão fácil, aliás, que hoje em dia tenho até um certo medo de mim.
Felícia gostava de álcool. Gostava de álcool, sauna e banho de espuma. E havia disso tudo na casa de D. Rosa. Domingo, depois de almoço, era de lei: Felícia fazia sauna e, após, tomava banho de espuma na banheira de hidromassagem (que D. Rosa jamais permitira que nora alguma usasse). Sempre bebendo vinho, e sozinha. Alegava que não ficava bem um casal ter essas intimidades na casa da sogra. Toni obedecia, claro, como sempre fazia, e D.Rosa louvava o comportamento pudico de sua nora preferida.
Num desses domingos, diluí na garrafa de vinho o sonífero que ela usava. Aguardei alguns bons minutos e aumentei quase ao máximo a temperatura da sauna. A pressão de Felícia caiu – como era de se esperar numa hipotensa -, deixando-a semi-inconsciente. Carreguei sem dificuldades seu corpo
pequenino e leve para a banheira e enchi de espuma, tendo o cuidado de deixar o vinho ao seu lado e limpar minhas digitais. Sauna e hidromassagem compartilhavam o mesmo ambiente, o calor estava quase insuportável (por isso aquela diaba era magra, derretia todo domingo). Calor. Álcool. Soníferos. Saí sem olhar para trás.
Felícia não resistiu à mistura de calor, sonífero e álcool. E eu cuidei para que tudo parecesse um lamentável acidente. |
Felícia morreu, como eu planejara, não vindo ao caso se por afogamento ou parada cardíaca. Importante mesmo é que aquela representante das Trevas foi ao encontro de seus irmãos no Inferno, de onde nunca deveria ter saído.
Consternação, lamúrias e profusas lágrimas... a família cumpriu seu papel nessa peça onde todos os personagens – excetuando o de Felícia e o meu – eram ingênuos. A polícia também participou, concluindo que a morte se deu por um infeliz acidente.
Caso encerrado. Morto enterrado. As hostes do Tártaro deviam estar felizes em receber tão competente súcuba. Eu, certamente, estava. Sepultei-a com suas sandálias vermelhas de salto alto. Tenho a firme convicção que Felícia vai precisar delas na sua nova morada.
A vida seguiu. A família voltava ao normal; continuei casada com Taviano. E apaixonada pelo meu cunhado.
Quero que Toni seja feliz, que se case com uma mulher decente e que eu possa adorá-lo e desejá-lo à distância. Ninguém jamais descobrirá meu segredo. Também eu, como Felícia, sei ser muito ladina. E paciente.
Quando Taviano morrer, darei um jeito de ficar com Toni, meu cunhado, meu amor. Ora se vou. E é bom que ninguém se meta no meu caminho.
Comentários
Mt gente se identificando ...
Continuo preferindo a narração ao desfecho.
Belzebenta!!!! Fantástico!
Ninguém sofreu, nem foi punido, nem isso nem aquilo. Tudo simples e tranquilo!
É, pode ter parte 3 mesmo,
Bjs
Torço sempre por seus vilões e percebi logo que Felícia ia dançar. Surgiu então a narradora em toda a sua maldade, e me senti contemplado.