ALMOÇO DE DOMINGO >> Sergio Geia
Imagino o que você, leitor, deva estar esperando
desta crônica: muita gente à mesa, muita comida, conversas inteligentes e
animadas, estimuladas por doses de álcool, gargalhadas, crianças brincando e muita
alegria; enfim, a expressão mais colorida da família feliz, pois família que se
preza não despreza almoços de domingo.
Realmente o quadro é bonito e poderia ser assim;
não é. Sinto desapontá-lo, mas o almoço é solitário mesmo, sem conversas
inteligentes ou gargalhadas, sem fartura de comida e crianças brincando, mas,
honestamente, e em absoluto minto a esse respeito, nem por isso desagradável ou
que represente a expressão mais cinzenta da solidão; enfim, estar sozinho num
domingo de verão estranhamente chuvoso e frio, não significa de maneira alguma
estar sofrendo de solidão.
Normalmente saio para comer fora. A chuva, porém,
fria e recorrente, os últimos dias, que me foram bastante molhados diante da
falta de um simples guarda-chuva, mas especialmente, uma vontade caseira de
cozinhar, me arregimenta a não pôr os pés na rua, mas fincá-los na cozinha.
O que sei de cozinhar é comezinho e ruim, o
suficiente para não passar aperto. Não imagine você que desfilo com habilidade
pela cozinha, que invento pratos mirabolantes, que me deleito por horas na
frente de um fogão. De maneira alguma. Portanto, pode soar estranho o
aparecimento de uma “vontade caseira de cozinhar”. Não para este cronista,
acostumado a comer na rua; de vez em quando, dá vontade de comer em casa.
À mente me surge uma refeição bastante simples,
mas digna: uma porção de arroz, salada e um bom bife; simples, barata, saborosa
e sedutora. Pois vou lhe ensinar a fazer a iguaria, pedindo desculpas desde já
pelo atrevimento. De repente você está careca de saber o que fazer na cozinha.
Se for o caso, despreze essa receita vagabunda disfarçada de crônica (ou seria
uma crônica vagabunda disfarçada de receita?). Se não for desse tipo de sujeito
gourmet, e se qualquer dia desses estiver em apuros e só, pode procurar “Almoço
de domingo”, e estará conferindo a essa crônica uma finalidade não imaginada
pelo seu autor; pelo menos até agora.
De início, sugiro que se sirva de um bom uísque.
Tenho aqui um Jack Daniels. Sirvo uma
dose com duas pedras de gelo. Música é sempre inspiradora. Ligo a tevê e
sintonizo um show do Oasis. Dou uma olhada na rua molhada enquanto degusto da
bebida, na chuva caindo fina, nas pessoas se deslocando com dificuldade.
Depois, já sentindo palpitar um desejo inspirador de criar, me mando pra
cozinha. A receita, como falei, é simples, mas o resultado, compensador. Anote
aí.
Arroz
Gosto daqueles saquinhos de arroz integral.
Deposito o saquinho na panela com água fervente e um pouco de tempero e deixo
lá; depois de algum tempo ele está pronto. Mas não vai bem arroz integral num
domingo, certo? Abro o saco de 1 kg que tenho na despensa e coloco uma porção
num copo americano, ao mesmo tempo em que coloco dois copos e meio de água pra
ferver; tenho um bom tempero aqui, já pronto, comprado em Ubatuba. Enfim, um
arroz básico, que, imagino, o amigo saiba fazer.
Salada
A minha salada combina uma porção de cenouras e
repolho (ambos picados) que você encontra pronta em qualquer gôndola de supermercado,
um ovo cozido e maionese a gosto. Tempere o repolho e a cenoura apenas com sal;
acrescente, picando, o ovo, e, por fim, misture a maionese.
Bife
Pode ser filé, contra ou alcatra; o meu é filé.
Tempere moderadamente e depois frite-o na frigideira.
Tudo pronto, finalize com delicadeza o prato
(delicadeza quer dizer sem exagero), colocando umas duas colheres e meia de
arroz, uma pequena porção de salada e um bife generoso, e está pronto o seu
almoço de domingo. Bom, preço razoável, delicado e saboroso. Eu garanto.
Anotou? Se não anotou, não se preocupe; a crônica
sobreviverá eternamente, diferentemente de seu autor; quando quiser, é só
procurar nesse oceano de dados chamado web e certamente achará.
Se eu fosse um crítico de gastronomia desses que
estampam suas opiniões em jornal, diria que o arroz está perfeito: soltinho,
bem temperado, ao dente; que exagerei
um pouco na maionese da salada, que o bife ficaria melhor se fosse menos
passado. Avaliação? Bom. Apenas bom. Nada, entretanto, que me tire o prazer de
degustar uma refeição feita em casa.
Como na frente da televisão (um vício difícil de
largar), bebendo cerveja, assistindo a um show magnífico do Oasis, em
Manchester.
Ilustração: www.taringa.net
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