AI, MEU CORAÇÃO! - VI - final >> Albir José Inácio da Silva
Continuação de 20 de fevereiro:
(Acidente na estrada. Neném, entre desmaios, pede a presença
do padre. Precisa se confessar)
O outro entendeu que era dor no peito, pensou em infarto, e
viu que o companheiro estava perdendo muito sangue. Era grave, precisava de
ajuda. Neném levantou de novo a cabeça e
suplicou:
- Um padre! Preciso me confessar! – disse, já num fio de
voz, e apagou.
Piloto voltou à estrada pensando que
Neném ia morrer. Já lhe conhecia os chiliques por causa de sangue, mas dessa
vez parecia sério. Escorado num galho e
cheio de escoriações, Piloto não teve dificuldades para conseguir ajuda de um
motorista que ia pra cidade, mas recusou-se a ir para o hospital:
- Não, obrigado. Preciso ficar
com ele, pode ser a última vez – embora não fosse religioso como Neném, comoveu-se
diante da morte - mas por favor, avise também o Padre Antônio na Matriz. Diga
que o moribundo implorou pela confissão.
O diligente motorista, depois de
avisar os bombeiros, insistiu com Padre Antônio para que o acompanhasse ao
local do acidente.
O padre não gostou. Neném de novo!
Sentiu-se como Seu Wilson diante dos pedidos de Denis, o Pimentinha – tinha
certeza do arrependimento. Mas era uma extrema-unção. Nunca nos seus cinquenta
anos de sacerdócio tinha deixado de atender a esse sacramento. Não seria agora,
mesmo se tratando do Neném.
Neném acordava mais uma vez
quando o Piloto retornou. Ainda de bruços, firmou-se nos cotovelos e levantou a
cabeça:
- O padre, Piloto? Cadê o padre?
- Fica calmo, Neném! O socorro já
tá chegando, você não vai morrer – disse o Piloto sem muita convicção.
- Eu vou morrer, Piloto! Eu perdi
o meu coração! Isso foi castigo do céu, e eu preciso me confessar.
Piloto não queria esticar aquela
conversa ruim. Não costumava entender muito o que se dizia mesmo e não gostava
de ficar perguntando. Ficou feliz quando ouviu as sirenes. O socorro estava
chegando e ele ficava livre de falar sobre morte.
Padre Antônio chegou ao mesmo tempo
que os bombeiros. Outros carros pararam para ver o acidente, e populares se
juntaram em torno do moribundo. Neném levantou a cabeça e pediu aos maqueiros
que esperassem. Precisava falar com o Padre Antônio.
- Padre, eu sei que o senhor não
gosta de mim, até com alguma razão, mas eu estou morrendo e preciso me
confessar.
- Tenha fé, meu filho, ninguém
morre enquanto não chega a hora. E só Deus sabe essa hora.
- Pois a minha chegou, Seu Padre!
Os bombeiros não interromperam - não
sei se por curiosidade ou porque perceberam que não havia pressa. Neném contou com
detalhes o assassinato de Arakém e a premeditação do dia anterior. Logo no
início da narrativa, Piloto embrenhou-se no mato e desapareceu.
Na secretaria do clube, Bóssi primeiro
escutou as sirenes, depois viu os carros de polícia pela janela. Do que teria se esquecido o Delegado? E por que a sirene? Uma taquicardia seguiu-se à
compreensão.
DE VOLTA À DELEGACIA
Quando Bóssi chegou à sala do
delegado, seu pupilo já lá estava, algemado a um canto, com um faixa em torno da
cabeça e vários curativos pelo corpo. Neném não ousou olhar para o chefe.
Dessa vez a autoridade não podia
ajudar. Bóssi sabia disso e não perdeu o
senso prático.
- Mouro, não vamos prolongar essa
tortura que sei desagradável pra você também. Somos amigos há muito tempo. Só
me esclareça uma coisa em nome da nossa amizade: por que aquele quadrúpede ali pastando
– indicou com um gesto de cabeça o encolhido Neném que comia um pacote de
biscoito entre orações - resolveu confessar um assassinato, se só havia um
acidente na estrada?
O Delegado estava para poucas
palavras. Abriu a pasta do inquérito, virou para Bóssi e apontou um trecho.
Bóssi esticou-se na cadeira por causa das algemas e leu:
“Tendo pedido a
presença do padre, o elemento, que responde pela alcunha de Neném, confessou, diante do sacerdote e na presença
de todos - eis que as circunstâncias não permitiam a confidencialidade que
normalmente cerca esse sacramento - o assassinato do presidente do clube, com os
detalhes que se encontram em seu próprio depoimento de fls 13/18. O elemento julgou que estava morrendo porque
seu coração estava fora do corpo, razão pela qual pediu a presença do padre. Cumpre
esclarecer que sob a barriga do assassino foi encontrado, na verdade, um umbigo
de bananeira, conforme fotografia que ora juntamos”.
Comentários
Adorei a história, principalmente o desfecho. Beijo.