UM CISCO >> Analu Faria
Tirei as
lentes de contato e senti um incômodo, como se houvesse um grande cisco no
olho. Pisquei várias vezes, pinguei um colírio, não resolveu. Examinei o olho
em frente ao espelho, não havia nada de anormal. Ai, meu Deus, só falta essa
lente ter me dado algum problema. Foram vinte e seis anos de amor a elas, sem
nenhuma briga. Fui dormir, devia ser algo passageiro e se o tempo curava as brigas de amor, algumas horas de sono deveriam ser suficientes para curar aperreios com lentes de contato.
Só que não. Amanheci com o mesmo cisco imaginário no olho. Incomodava ao
piscar, incomodava quando eu olhava para cima, para os lados, para baixo. Incomodava.
Pronto, era a lente mesmo. Ou algum problema bizarro. Tenho alguém com catarata
na família? Como é que é que se tem glaucoma mesmo? Corri para o hospital.
Enquanto
esperava o atendimento médico, pensei sobre o quanto a vida anda difícil por
conta dessa crise no governo. O amor anda complicado nos tempos de vacas magras
também. Lembrei ainda que as férias vão ser curtas, talvez não dê tempo de
visitar meus pais. Droga, esqueci de pagar aquela multa de trânsito! E acho que
engordei um pouco. E agora esse olho! Por que tudo tem que ser tão...
“Senhora Ana
Luisa.” - me chamaram.
Era um
cisco. Grudado na parte interna da pálpebra. “Quando é assim, eles fazem uma
pressão negativa e ficam como ventosas na membrana palpebral. É bem difícil de
sair mesmo.” A médica virou minha pálpebra para baixo de novo e pediu que eu
piscasse. Tudo certo. Assim meio que do nada, a crise não era tão grave, o amor
estava ótimo, as férias seriam lindas, a multa de trânsito não era lá um grande
problema, meu corpo estava bom até demais. Um cisco, gente.
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