A CRISE DA ÁGUA E A OSTENTAÇÃO DA BURRICE >> André Ferrer
Jack Nicholson e Faye Dunaway numa cena de "Chinatown" (EUA, 1974) |
Superpopulosa, a cidade
de Los Angeles cruza a maior crise hídrica da sua história. Ainda na metade do
século passado, a administração pública submetia a população a frequentes racionamentos
porque o abastecimento de água tornava-se, a cada ano, insuficiente. Então, o
prefeito imaginou uma solução: a água poderia chegar à cidade vinda do Owens
Valley. O problema era que um aqueduto só seria construído à custa de muito
conflito entre políticos, agricultores e ambientalistas.
O parágrafo acima é
atual ou está mais para um argumento de filme apocalíptico ambientado num futuro
próximo? Embora o texto se encaixe perfeitamente nas duas classificações,
trata-se de um enredo que, além de verídico, é bastante antigo.
As chamadas “Guerras da
Água na Califórnia” tiveram início no final do século XIX e não terminaram em
1913 quando o tal aqueduto entre Owens Valley e Los Angeles foi inaugurado.
Ainda na década de 1920, os agricultores de Owens Valley tentaram destruir o
aqueduto que já exauria as reservas do lugar. As “Guerras da Água”, como é de
se imaginar, também abriram espaço, no meio político, para a corrupção e a
especulação. Em 1926, conforme muitos técnicos advertiam, o Lago Owens ficou
completamente seco. Isto levou à busca de uma série de soluções paliativas e
bastante nocivas para a natureza ao longo de todo o século XX. Atualmente,
grande parte da água que abastece Los Angeles ainda vem da bacia de Owens,
contudo a captação é subterrânea.
Sem dúvida, foi a crise hídrica paulistana que me levou a ler
alguns artigos a respeito de como, em determinadas regiões bastante secas dos
EUA, principalmente no Sul da Califórnia, recalcitrantes crises de água são
enfrentadas desde a virada do século XIX para o XX até aqui. As diversas
teorias conspiratórias na imprensa e nas redes sociais também serviram de
motivação. Porém, o que mais me atraia enquanto me aprofundava no assunto era
um grande filme rodado em Hollywood em 1974.
É sempre emocionante constatar como uma grande nação e,
consequentemente, uma “grande cultura” plasmam as suas questões na arte que
inventam. O filme a que me refiro foi selecionado pela Biblioteca do Congresso Americano
e agora é preservado no “National Film Registry” por figurar entre as obras
cinematográficas "culturalmente,
historicamente ou esteticamente significantes" para a nação. Decerto, um
país está doente quando uma das formas de se debruçar sobre os próprios problemas,
a arte, é pobre, descartável, vazia de sentido ou só consegue reproduzir o
pensamento na sua forma mais superficial. (Alguém aí conhece um país assim?!)
Curiosamente, a crise hídrica de Los Angeles é a premissa de “Chinatown”,
filme do diretor Roman Polanski e do roteirista Robert Towne (a obra tem um
Oscar justamente de Roteiro Original). Na trama, Jack Nicholson arrebenta na pele de um clássico
detetive “noir”, J. J. Gittes, que se enrosca todo num caso de traição,
corrupção e morte em plenas “Guerras da Água na Califórnia”. Vale a pena se
divertir com a trama policiesca, vendo ou revendo Chinatown, e descobrir como,
de fato, não há nada de novo debaixo do sol. Principalmente, vale a pena
constatar o processo utilizado por uma nação que se avalia e que reflete com
seriedade mediante a arte cinematográfica.
Uma pátria verdadeiramente “educadora” ressuma o pensamento
do seu povo a respeito das grandes questões nacionais. Cada poro está
envolvido. Temas importantes, assim, aparecem e enriquecem até mesmo o
entretenimento supostamente banal. A reflexão, nestes casos, exterioriza-se nos
aspectos mais simples da comunidade quando há, por exemplo, um interesse profundo por um tema como a política - evidentemente, um interesse que vai além do clientelismo e nada tem
a ver com uma esperança doentia na troca de favores. O engajamento requer educação,
estudo, leitura, reflexão; caso contrário, dá origem a certas aberrações
disfarçadas de “vozes autênticas” tal como acontece, aqui no Brasil, com produtos
culturais que vão do “favela movie” (modinha de filmes sobre a vida nas favelas),
passando pela “música” (?!), rap, funk, até programas de TV como o Esquenta.
Enquanto as grandes questões passam ao largo do “pensamento”,
nossos “mcs” (decerto, a mais nova “espécie” de formadores de opinião no Brasil)
vivem preocupados com a própria ascensão financeira. Eles cantam a grana,
ostentam o consumo que “agora” podem praticar, exibem o sexo pelo qual “agora”
conseguem pagar. “Ídolos” que, infelizmente, fazem a “cabecinha” dos
brasileiros. A nossa completa ruína no enfrentamento de futuras crises
nacionais.
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Comentários
Acha realmente que Chico Buarque, Geraldo Vandré, Caetano Veloso e outros vários artistas não tinham uma mensagem válida para a população brasileira, como um todo?
Acha também que em outros países não há a ostentação de riquezas e mulheres através da música?
Quanto ao rap, sinto-lhe dizer, mas consigo ver a mesma qualidade poética de Polanski, em Sabotage, um dos, se não o maior rapper do Brasil, e tente adivinhar o que ele retrata... Isso mesmo! Um dos maiores problemas do Brasil nos anos 90: a desigualdade social.
E acho que nem precisaria citar o "Favela movie", mas vou somente pela ironia. Conhece Cidade de Deus não é? Pelo menos eu espero que conheça, um filme que retrata muito bem a vida na favela, e no IMDb, tem uma nota de 8,7. Enquanto o seu superior Chinatown, uma nota de 8,3.
Com muita boa vontade, consigo enxergar o que quer dizer, mas sua visão é muito ignorante de maneira filosófica, política, social, e até mesmo como um fã de cinema.