ESTRANHAS CENAS DE NATAL >> Zoraya Cesar
CENA UM - Estava muito bem vestido, o senhor que entrou na Igreja logo cedo da manhã. A postura ereta, o andar ritmado e o modo de colocar as mãos poderiam levar a pensar que se tratava de um militar, e não estariam errados os que assim concluíssem.
Aproveito o momento para avisar que este é um caso real, mas, como tudo na vida, acredite apenas se quiser. Não forçamos a nada, você sabe.
Pois bem, entrou, e a primeira impressão nem foi das melhores, a Igreja estava meio escura - ou ele, mais acostumado à luz natural, não estivesse enxergando direito; ou talvez a revolta pelo afastamento, depois de 30 anos como combatente de montanha do Exército também estivesse colaborando para a sua má vontade. Pode parecer bobagem, pois a aposentadoria é o destino dos que estão vivos –mas cada um sabe onde lhe aperta o sapato e não estamos aqui para julgar o nosso amigo, e sim contar o que lhe aconteceu.
Virou-se para ir embora e, nesse movimento, vislumbrou a delicada luz azul que brilhava no fundo da Igreja, quase perto do altar. A curiosidade o levou até o Presépio mais estranho e bonito que já vira.
Em vez de estábulo, o cenário era um quartel, pois todas as figuras masculinas usavam algum tipo de veste militar e carregavam instrumentos de música ou construção (claro que não havia armas, que idéia, a sua!). Encantado, ele chegou mais perto, atraído pela imagem de um dos pastores, o próprio São Judas Tadeu, padroeiro de sua unidade de combate, usando mochila, cajado e uniforme.
Se tudo aquilo não era estranho o suficiente, ele teve a nítida impressão de que as figuras conversavam entre si. A imagem de São Judas voltou-se para ele e cumprimentou-o com a cabeça.
Ele se assustou tanto que quase teve uma síncope; procurou os mecanismos, caixas de som, pilhas ou fios elétricos que explicassem o mistério, mas nada encontrou. Enlouqueci, concluiu. E deve ter concluído certo, pois, em vez de se sair correndo atrás de um psiquiatra – o que qualquer militar sensato faria - sentou-se, para apreciar o pequeno espetáculo que sua loucura proporcionava, aproveitando para conversar com São Judas Tadeu Montanhista.
Conversaram sobre a alegria de fazer resgates em montanhas, a tensão dos combates, a bênção de nunca ter matador outro ser humano e, por fim, ele, que chegara ali tão amargurado, agradeceu por ter sido montanhista uma vida inteira de serviço à pátria e à humanidade (talvez nós não entendamos esse sentimento, mas tenho certeza que militares, socorristas, médicos sem fronteiras, bombeiros entendem perfeitamente).
Agora, o final ainda mais inacreditável dessa história toda, mas se você veio até aqui, fique mais um pouco para saber o que aconteceu. Tão logo ele se levanta, recebe uma ligação do 11º Batalhão de Infantaria de Montanha, informando-o que o Exército vai montar um curso de combatentes de montanha na cidade e o Comando o queria como organizador e instrutor. Ele aceitava?
Deixou uma doação na caixa de ofertas de São Judas, prometendo voltar em breve, e saiu correndo, logo ele, uma pessoa tão contida.
O Velho Padre aproximou-se do Presépio. Que coisa, hein, São Judas, quase mata o coitado de susto. O Santo piscou para ele, hoje é um dia de alegria, não é? E o Menino achou engraçado...
CENA DOIS – Entrar, ela entrou, mas já se perguntando o que estava fazendo ali, desde quando rezar resolve alguma coisa? Envergonhada por ter cedido a um momento de fraqueza, só não saiu porque foi atraída por uma leve luz azul no canto da Igreja.
Era, como vocês já adivinharam, o mesmo Presépio que, algumas horas antes, encantara o militar. Na verdade, não exatamente o mesmo. Talvez o Velho Padre passasse o dia trocando as imagens, pois agora, em vez de um quartel, o cenário era o de um parque, repleto de representações femininas e infantis.
Cansada e nervosa, a mulher sentou. Não quero essa criança, revelou, não planejada nem desejada, logo agora que recebi uma promoção, não tenho quem me ajude, meu salário não é lá essas coisas, o pai da criança não assumiria nada, enfim, não posso e não quero ter esse filho.
Por todos os anos de vida que lhe seguiram, ela juraria que vira a Mãe e o Menino se moverem em sua direção. Talvez o choque a tenha levado a ouvir Nossa Senhora confidenciar-lhe do susto que levara ao saber que teria um filho, ainda solteira, e naquela época!; do medo, da falta de recursos, da fuga, de todas as dificuldades, e que nunca, nem um momento sequer, ela cogitaria em fazer nada diferente se lhe fosse dada a oportunidade.
Santa Maria deve ter um grande poder de convencimento, pois o fato é que a mulher saiu da Igreja já com o nome da criança escolhido, enviando para a família mensagens de que teria uma novidade para contar na ceia de Natal.
O Velho Padre perguntou à Nossa Senhora se ela contara sobre todas as estripulias que o Menino aprontara quando pequeno, mas Nossa Senhora riu, e saiu correndo atrás de Jesus, que teimava em engatinhar para fora do Presépio.
CENA TRÊS – Durante todo aquele dia, as pessoas saíram da Igreja melhor do que entraram. O Velho Padre trabalhou tanto que a noite chegou sem que ele percebesse e, apesar da idade avançada, sentia-se como um jovem recém-ordenado.
Depois da última Missa fechou as portas da Igreja, e foi preparar a ceia, com a ajuda providencial de Santa Marta, pois ele era um pouco desajeitado. E agora, você, que sabe ser essa vida uma sucessão de fatos estranhos, não vai se surpreender ao ver o templo feericamente iluminado, os Santos andando de um lado para o outro, alvoroçados e felizes, Menino Jesus brincando com o gato preto que vivia na Igreja, enfim, uma festa só.
O Velho Padre, enquanto esperava mais alguns convidados, aproveitou para entabular uma profunda conversa com Santo Agostinho, sobre os prazeres da vida e sobre o fato de ser o Natal uma festa muito estranha mesmo, na qual é o aniversariante quem dá os presentes.
Comentários
para cada um de nós há um presépio de luz azul a iluminar a vida, que você e todos aqueles que compartilham deste momento de alegria possam encontrar a luz que lhes ilumina um novo presente!
beijos enormes e um forte abraço,
Ana Luzia
Aqueles já se tornaram videntes.
Essa crônica é assim, suave como deve ser o Natal!
Sonia Felisdorio
Um belo presente de Natal para todos nós a sua crônica!
Ah! E antes de concluir, ADOREI o menino Jesus brincando com o gato preto. Pra derrubar qualquer preconceito!
Adorei!
Beijocas,