A DEDICATÓRIA >> Whisner Fraga
O livro estava em destaque na estante e minha mãe ficava radiante quando alguém o via e perguntava qual assunto ele abordava. Ela aproveitava para mostrar a dedicatória na folha de rosto: "A queridíssima Izolina, com profunda admiração e carinho, de sua amiga, Fulana de Tal". Não me lembro o nome da autora e tampouco o título da obra. Em duas ou três vezes em que estive em Uberlândia, ela me perguntou se eu sabia algo sobre o autógrafo. Não, eu não fazia ideia.
Então ela relia o pequeno texto e tentava decifrar a idade daquelas frases. O livro fora lançado em 1973, disso eu me recordo bem, mas a bonita inscrição datava de 1998 ou algo do tipo. Questionava-me se era coisa minha, se eu solicitara à autora que assinasse. Não, não mesmo. Então ela pedia para que eu examinasse outra vez a letra, que era até familiar para mim, mas nada além disso. Daí, ela franzia as sobrancelhas, tentava recuperar algo perdido na memória e, com um suspiro doído, recolocava o exemplar em seu lugar de honra.
Em outra ocasião eu revia aqueles caracteres quando meu irmão chegou. Mamãe imediatamente requisitou a ajuda dele, que, sério, seriíssimo, alegou desconhecer completamente qualquer detalhe daquele oferecimento. Disse que talvez alguma amiga dela fosse a responsável. Dona Izolina o encarou, fez cara de descontente e concluiu que não era nada daquilo. Era um mistério, isso sim.
Como nada daquela história nos afetava, esquecíamos o assunto tão logo o livro de autoajuda era recolocado na prateleira. Só que, para minha mãe, a coisa toda fazia muita diferença. Para ela havia uma pessoa famosa, uma sábia,que a considerava amiga e que tivera a consideração de lhe escrever algo tão bonito, tão sensível. E ela não podia simplesmente esquecer que tinha uma conhecida tão chique. E me questionava: "Essa editora é conhecida, não é? É uma editora grande, né?" Sim, eu replicava.
Era setembro e combináramos, eu, minha irmã, sobrinha, irmão e mãe, de ir a um boteco vizinho para comer uns espetinhos e beber uma cerveja. Sempre que podemos vamos ao bar do Pedrão, que fica bem no centro da cidade. Naquela esquina, certa vez, sequestraram meu irmão e roubaram seu carro. Abandonaram a caminhonete em uma fazenda a 50 km dali - certamente eram bandidos fugindo de algum outro crime.
Acertamos de nos encontrar no apartamento de mamãe, que nunca havia mostrado a dedicatória à minha irmã. Aproveitou a ocasião, sacou a obra da estante e falou: "Você conhece essa pessoa? Sabe como foi que ela autografou esse livro para mim?" Ariadne começou a rir, continuou a rir, gargalhou e não queria dar uma pista sequer. Deixou Dona Izolina maluca. Ao fim de dez ou quinze minutos de tortura, ela soltou: "Essa letra é do Weslei". Minha mãe fez cara de "Como assim?" Certeza, a letra é do Weslei. Meu irmão, lá do canto, não se aguentava mais. Sim, a letra era dele. Depois de cinco anos de mistério, descobríamos que tudo não passava de uma sacanagem que meu irmão fizera com mamãe.
Então ela relia o pequeno texto e tentava decifrar a idade daquelas frases. O livro fora lançado em 1973, disso eu me recordo bem, mas a bonita inscrição datava de 1998 ou algo do tipo. Questionava-me se era coisa minha, se eu solicitara à autora que assinasse. Não, não mesmo. Então ela pedia para que eu examinasse outra vez a letra, que era até familiar para mim, mas nada além disso. Daí, ela franzia as sobrancelhas, tentava recuperar algo perdido na memória e, com um suspiro doído, recolocava o exemplar em seu lugar de honra.
Em outra ocasião eu revia aqueles caracteres quando meu irmão chegou. Mamãe imediatamente requisitou a ajuda dele, que, sério, seriíssimo, alegou desconhecer completamente qualquer detalhe daquele oferecimento. Disse que talvez alguma amiga dela fosse a responsável. Dona Izolina o encarou, fez cara de descontente e concluiu que não era nada daquilo. Era um mistério, isso sim.
Como nada daquela história nos afetava, esquecíamos o assunto tão logo o livro de autoajuda era recolocado na prateleira. Só que, para minha mãe, a coisa toda fazia muita diferença. Para ela havia uma pessoa famosa, uma sábia,que a considerava amiga e que tivera a consideração de lhe escrever algo tão bonito, tão sensível. E ela não podia simplesmente esquecer que tinha uma conhecida tão chique. E me questionava: "Essa editora é conhecida, não é? É uma editora grande, né?" Sim, eu replicava.
Era setembro e combináramos, eu, minha irmã, sobrinha, irmão e mãe, de ir a um boteco vizinho para comer uns espetinhos e beber uma cerveja. Sempre que podemos vamos ao bar do Pedrão, que fica bem no centro da cidade. Naquela esquina, certa vez, sequestraram meu irmão e roubaram seu carro. Abandonaram a caminhonete em uma fazenda a 50 km dali - certamente eram bandidos fugindo de algum outro crime.
Acertamos de nos encontrar no apartamento de mamãe, que nunca havia mostrado a dedicatória à minha irmã. Aproveitou a ocasião, sacou a obra da estante e falou: "Você conhece essa pessoa? Sabe como foi que ela autografou esse livro para mim?" Ariadne começou a rir, continuou a rir, gargalhou e não queria dar uma pista sequer. Deixou Dona Izolina maluca. Ao fim de dez ou quinze minutos de tortura, ela soltou: "Essa letra é do Weslei". Minha mãe fez cara de "Como assim?" Certeza, a letra é do Weslei. Meu irmão, lá do canto, não se aguentava mais. Sim, a letra era dele. Depois de cinco anos de mistério, descobríamos que tudo não passava de uma sacanagem que meu irmão fizera com mamãe.
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