DÁ PRA GUARDAR NO POTINHO? >> Mariana Scherma
Eu estava esperando o ônibus seguir viagem quando entrou um cara mudo e
deixou sua mulher e sua bebezinha no banco. Ele gesticulou muito, beijou a
mulher e a nenê com o maior amor do mundo e foi embora. As duas estavam no
banco à minha frente e eu fui admirando a menininha. Veja bem, não sou dessas
que passaram na fila do instinto maternal, nunca carreguei um bebê na vida por
medo de ele começar a chorar pra sempre e nunca passei a mão em barriga de mulher grávida
porque acho intromissão demais (pobres grávidas, que ganham carinhos de
estranhos e ainda têm que sorrir constrangidas só porque estão
barrigudinhas...). Já pensou se esse hábito acontecesse também com homens
bebedores de cerveja?
Mas aquela bebezinha chamou minha atenção. Ela sorria demais pra mim e é
isso que mais gosto nas crianças: esse sorriso ingênuo e sincero pra uma pessoa
que nunca viram antes ou mesmo para o apoio de braço da poltrona do ônibus.
Pureza e fofurice em estado bruto. De repente, ela pegou minha mão e apertava,
dizia “dada” com eloquência. A mãe da fofura olhou pra trás e eu elogiei sua
filhota, foi quando ela me fez sinal e descobri que, assim como o marido, ela
também era muda.
Aquilo me emocionou de um jeito diferente. Os pais eram mudos, a filha,
uma menininha tagarela falando “dada” e “mama” loucamente. Fiquei pensando como
deve ser difícil criar uma filha nessa situação. Criança apronta, como eles vão
falar “para”, “sai de cima do sofá”, “só ganha sobremesa se comer o brócolis” e
essas coisas de pai e mãe? Ensinar o que é certo e errado é das tarefas que
mais tiram o sono dos pais (eu imagino que seja, porque não tenho filhos)... E
se você não pode falar e, às vezes, berrar? É claro, a bebê vai crescer falando
português e a linguagem dos sinais, aí tudo fica fácil, mas e antes disso?
O que mais me emocionou nessa viagem foi ver a menina inquieta, falando,
se remexendo sem parar e, com um abraço e um beijo da mãe, ela já se acalmava.
Mágica pura entre mãe e filha. Foi desses momentos que me fizeram questionar
tudo o que sempre falei e defendi: “não quero ter filhos, o mundo é ingrato. É
muita responsabilidade criar uma criança”. Pra essa mulher no ônibus, seria
ainda mais difícil ter e criar uma pessoinha. Mas ela teve. E estava se saindo
muito bem na criação, pelo menos durante os quilômetros que dividimos no mesmo
ônibus.
Meus olhos já tinham juntado uma poça de lágrimas só de presenciar
aquela cena, principalmente quando me lembrei do pouco que sei de Libras e
disse à mulher que a filha dela era linda. Ela me sorriu em agradecimento, mas
quem tinha que agradecer era eu. Essa poderia ser dessas histórias que
deixam a gente comovida e tudo mais, mas a cena terminou com risos. A
mulher apontou para o bumbum da nenê e fez sinal de que estava cheirando
ruim... A fofura tinha enchido a fralda e, pra entender isso, não é preciso
falar português nem Libras ou ouvir, basta respirar bem fundo.
Depois dessa, ainda acho que criar uma criança é a maior aventura e responsabilidade
do universo. Ainda acho que não é pra mim... Mas admiro todas as mães que fazem
a vida ter esses momentos que nos fazem querer guardar no potinho. A vida é difícil e tão linda, tudo ao mesmo tempo.
Comentários
Beijo pra vc.