SOBRE AMAR O MAR >> Fernanda Pinho
Eu
não sei quando eu me dei conta de que amava o oceano Atlântico. Mas arrisco
dizer que o amor veio no DNA, já que tanto meu pai quanto minha mãe são
apaixonados pelos mar (a ponto de quando eu era pequena acreditar piamente que
nas madrugadas das férias de verão minha mãe virava sereia).
Não
é espantoso, portanto, que eu sempre tenha sido tão devotada a essa imensidão
azul. Eu amo mergulhar no mar, dentro das minhas possibilidades de quem
nunca aprendeu a nadar. Amo o cheiro salgado do mar e o sal impregnado na pele
após o mergulho. Amo a eletricidade que percorre o corpo após o primeiro toque
de uma maré nos meus pés. Amo olhar para o mar, de preferência à tarde quando
está tudo quente e dourado e meu único compromisso é navegar pelas minhas ideias. Amo a vibração alegre e relaxante que o
Atlântico estende sobre as cidades que têm o privilégio de serem banhadas por
ele.
Amo
e estou me sentindo culpada. É que depois de quase três décadas desse amor
exclusivo acho que estou amando o Pacífico também. É verdade que já rolava um
flerte desde que eu o conheci. Mas eu vinha me mantendo na defensiva. Como se
permitir a um amor que não faz a menor questão de disfarçar seus perigos? Me
sentia acuada quando ao concluir minha observação panorâmica de uma praia eu
descansava minha vista numa placa com alerta de tsunami.
Mas
o amor sempre teve essa relação louca com o perigo. Quanto mais você se afasta,
mais você se aproxima. Quanto mais tentava menosprezar minha relação com o mar
do lado de cá, mais eu me perdia nessa personalidade intrigante. Como pode ser
tão sereno, ter um azul tão royal, atrair as aves mais lindos que eu já vi e,
de uma hora pra outra, se revoltar como que para provar que de pacífico só tem
o nome?
Intrigante
e apaixonante. E eu me dei conta de que estava irremediavelmente apaixonada ao
observá-lo numa tarde. Mais pra cinza que dourada. Mais pra fria do que quente.
Não de um quiosque, mas de um café. Não escutando uma música baiana boa ou
ruim, mas o crepitar das chamas de uma lareira. Não tomando água de coco, mas
uma xícara de chocolate quente. Amo com um amor fresco e saboroso, como os
mariscos que só dão aqui. Um amor hipnótico e entorpecente, como o sono que
pesa sobre meus olhos cada vez que me aproximo. Um amor não-correspondido e
platônico, já que ele faz questão de se apresentar da forma mais gélida
possível, para que eu não ouse dar um mergulho sequer. E isso, de certa forma, apesar de frustrante,
alivia minha culpa. Pois quando eu voltar a mergulhar no Atlântico ele saberá
que continua sendo o único a possuir meu corpo.
Fotos: Osvaldo Castro, em Valparaíso e Algarrobo (Chile)
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