COISAS QUE NINGUÉM FALA... [Carla Cintia Conteiro]
Deve haver algo dentro de mim que me empurra para o contra.
Se todo mundo começa a repetir as mesmas coisas, já acho que tem algo errado
ali. Minha implicância reside especialmente sobre coisas que as pessoas veneram
como fofas. Ver alguém tratar idosos como fonte de fofura me dá arrepios.
Para começar, não é porque a pessoa envelheceu que deve
perder sua dignidade e ser tratado como um sub-humano, um gatinho, uma coisinha
fofa. A infantilização não é boa nem para o idoso, mesmo que esteja muito
debilitado em suas capacidades físicas e faculdades mentais, nem para seu
interlocutor, que numa curta convivência talvez perceba que de cor-de-rosa a
velhice e a demência nada têm. E o choque pode impelir ao afastamento. Lidar
com a realidade é sempre mais recomendável e produtivo. Vamos amar as pessoas
como elas são e não por uma visão de faz-de-conta. Com os anos, muitas das
virtudes se vão, como o véu da beleza, que tanto mascara, e as idiossincrasias
se intensificam. Os afortunados conseguem transformar essa passagem pela vida
em sabedoria. Muitos, infelizmente, não. É preciso aceitar esse fato.
Uma amiga brasileira, de retorno ao Brasil após décadas
morando fora, me apontou uma característica de nosso país que a proximidade não
me permitia ver. Como nossos velhos são mimados! São tantos deles que esperam
que alguém pare sua própria vida para lhes dedicar atenção integral. Mesmo
muitos dos que gozam de saúde, esperam que cuidem de todos os embaraços do dia
a dia por eles. Não planejam a alta idade, deixando uma enorme sobrecarga nos
ombros dos descendentes. É sempre bom saber que se pode contar com, mas isso é muito diferente de depender de. Só deve depender totalmente de outro, seja
financeiramente, seja na resolução de pequenos e grandes problemas, seja para
limpar sua merda, metaforicamente ou não, quem não tem mesmo condições de fazer
isso por si, como as crianças pequenas e os muito doentes.
Entretanto o que vejo bastante por aí são idosos que
manipulam a família. É lógica e justa a reverência, o respeito e o cuidado com
os que chegaram aqui primeiro, mas alguns esticam demais a conta a ser paga. “Eu fiz tudo / me anulei para criar você.”
Penso que quem faz um favor não deva esperar retribuição, mas aqueles que a
esperam deveriam se certificar de que o tal favor foi solicitado. Observo chantagens terríveis baseadas nessa
dívida impagável, trabalhada sobre a culpa talvez religiosa. “Pode ir trabalhar / estudar / namorar, eu
fico bem aqui sozinha. Se acontecer alguma coisa enquanto você estiver fora, é
porque Deus quis me levar. Já estou por tempo demais aqui mesmo, agora eu só
incomodo.” Você já ouviu algo parecido ou só acontece no meu círculo de
relacionamento?
Ninguém está falando em abandonar os velhinhos à própria
sorte. Só que toda autonomia, enquanto possível, é bem-vinda.
E mesmo entre os que estão por aí, vivendo a própria vida,
têm uns que abusam da paciência alheia com sua falta de educação. Como aqueles
que vão empurrando todo mundo para ocupar lugar privilegiado na fila, quando
não custava nada pedir licença para tomar seu lugar de direito. Ou aquele outro
que grita com todos, especialmente aqueles em posição subalterna, por qualquer
motivo. E ainda quem se aproveita da condição de idade avançada para ludibriar
os outros. Taí a Vovó do Pó que não me deixa mentir.
O que me faz lembrar aquela máxima que diz que grandes
canalhas também envelhecem. E esses, definitivamente, ainda mais que quaisquer
outros, não são fofos.
Comentários
Valeu, Silvia!
Exatamente, Albir! :)
Um abraço para todos.