MEU DIA DE INCRÍVEL HULK
>> Mariana Scherma
Tem
gente que morre de pânico de ficar sozinho, já reparou? Chega em casa e entra
na internet, liga pra alguém e liga a tevê também. Tudo ao mesmo tempo. Tudo
pra passar a impressão fake de estar bem rodeado. Talvez seja a falta de
preparação pra morar sozinho. Medo de ficar na sua própria companhia e ouvir
seus pensamentos, eu acho.
Pra
mim, morar sozinha tem um quê de mágico. Todo dia me sinto numa HQ de
super-herói (no masculino, porque odeio falar super-heroína, soa como uma droga
megapesada) com poderes semibestinhas, como fazer um café melhor que o de ontem
e conseguir tirar uma mancha da camiseta branca. E todo dia também sou obrigada
a controlar minhas variações de humor quando algo sai errado dentro de casa
(equilíbrio, faça o favor de me visitar dia desses...). Isso é superpoder pra
caramba, meu amigo!
Domingo
passado, eu estive cara a cara com meu arqui-inimigo mais temível: uma barata.
Não uma baratinha, uma dessas cascudas, grandes e com aquelas antenas de meio
metro (ok, exagerei 10cm no tamanho da antena). Eu odeio barata. Senhor, que
terror! Elas são nojentas, cabem em qualquer frestinha, voam (Deus dá o poder
de voar pra cada bicho, né?) e – o pior de tudo – podem sobreviver a um ataque
nuclear. Eu, você, meus pais fofos, meus amigos queridos, o Johnny Depp, o Ryan
Gosling, todos viramos pó num ataque, mas elas sambam na cara da sociedade que
nem existe mais. Foi essa minha sede de vingança de um bicho que sobrevive a
quase tudo que me fez correr na direção dela, gritei o mais alto que pude,
joguei o chinelo e ela sumiu. Fiquei me achando por tê-la assustado no grito,
pensando que ela voou longe do meu apê.
Caramba,
eu sou inocente. Achando que ela tinha ido embora, fui pra cama com meu livro e
comecei a escutar barulhinhos, tipo tsc, tsc. Jurei que eram coisa da minha imaginação
(quem vive sozinho também precisa controlar alguns medinhos, sobretudo à noite),
voltei pro livro até a hora de me entregar ao sono. Quando decidi largar, dormir
pra valer, vi a barata se dirigindo ao banheiro (a cascuda devia querer algum
hidratante meu) e aí virei uma versão de 50 quilos com pijaminha fofo do
Incrível Hulk. Urrava de raiva, medo e adrenalina e jogava minhas havaianas
como o Hulk poderia bem fazer, talvez com menos graciosidade. Matei tanto a
bicha que na próxima encarnação ela já chega morta. Depois de lavar meu chinelo
e dar descarga na barata, fui dormir com a minha autoestima nas alturas. Sim,
eu me livrei de uma fulana que sobrevive a ataques nucleares. Eu vinguei um
pouco a raça humana. Me enrolei no lençol fingindo que era minha capa de
super-herói e dormi com a sensação de dever cumprido.
Morar
sozinho tem muito dessas pequenas vitórias. Você X a barata. Você X o chuveiro
que anda pifando. Você X a lâmpada que queima justo à noite. Você X a geladeira
vazia. Você X a maldita rolha do vinho que não quer sair. E principalmente:
você X você. Seus pensamentos, seus medos, suas paranoias, suas ansiedades... Claro que dá pra
chamar amigos quando quiser, brincar com o gato da vizinha, bater papo com a
vizinha, ouvir música no volume máximo permitido. Mas na hora de fechar
as portas, é só você. E às vezes uma barata pedindo pra ser exterminada. Domar
seus medos nessa hora é o grande teste pra virar super-herói. Um teste feito
todo santo dia.
Ah,
e um P.S.: comentei com minha mãe por telefone do quanto me senti Incrível Hulk
ao matar a barata. Ela me disse que, como toda essa minha força, tô mais pra Incrível
Rúcula. Achei que era eu a responsável pelas piadas e trocadilhos bestinhas entre
meus pais, poxa vida.
Comentários
Essa relação mulher X barata merecia uma análise mais detalhada dos especialistas. Conheci uma (mulher), que passava a noite acordada, olhando pra barata, mas com medo de matá-la e ser atacada pelos famíliares da barata que se precipitariam dos esconderijos para a vingança. Peço permissão pra gostar da barata, só porque ela lhe inspirou esse texto.
Moro sozinha há treze anos e então me vi em várias partes do seu texto!
Para além das baratas e dos chuveiros queimados, talvez o mais difícil nessa história todas seja mesmo o tal encontro diário consigo mesmo, né?
Mas chega um dia em que a gente se aceita e aprende a apreciar muito a própria companhia...rsrs.
Grande beijo!
Parabéns pela crônica!